António Costa escolheu ser aquele que se protege de um temporal com um pequeno chapéu de chuva chamado Galamba. Talvez por entender que Frederico Pinheiro, ex-assessor do ministro, é um foco de alta tensão destinado à autocombustão face às contradições permanentes, o primeiro-ministro vai à luta por interposta pessoa e encontra galos entre deputados, a digladiar numa comissão de inquérito. Em nome da confiança e da sua consciência, a decisão tomada por António Costa é a leitura subliminar que atravessa toda a Comissão Parlamentar e permite retirar ilações sobre a forma como organiza a sua autodefesa. Só um particular sentimento de inimputabilidade face ao temor justifica que António Costa insista em arrastar o seu Governo para isto, passeando-o num lamaçal sem fundo à vista.
Entre a hierarquia férrea da chefe de gabinete Eugénia Correia e o novo espírito de colaboração de João Galamba, sobra um problema de comunicação dificilmente explicável, mas que é bem sintomático sobre a forma como a administração pública se organiza entre pequenos poderes, grandes precipitações e enormes discricionariedades e desproporções. A intervenção do SIS que o diga. Este é um caso em que, como refere o ministro João Galamba, "reconstruir a verdade dá trabalho". Entre essa fadiga de dimensão hercúlea estão as perdas de memória e as viagens de bicicleta.
Até que alguém explique qual a razão que leva a que continuemos a levar a sério a história que justifica a subtracção de um computador, propriedade do Estado, por parte de um ex-funcionário acabado de ser demitido, os livros de História só deixarão cair umas linhas sobre a total irrelevância deste assunto no dossier da TAP e no debate sobre a companhia aérea que verdadeiramente interessa aos portugueses. A intervenção do SIS, por outro lado, é uma teia urdida por relações pessoais entre funcionários do Estado que o Estado agora tenta acomodar.
O ambiente de "saloon" vivido no Ministério não é dignificante, mas por ter sido conhecido e relatado pela voz de João Galamba acaba por se elevar a tesourinho de Estado. O novelo de impreparação, azimute de minuto e vinte segundos, exoneração-relâmpago, prepotência de gabinete, surto pós-demissão e desproporcionalidade da acção dos serviços secretos, transformam todo este processo num canto de fadas tristes que anunciam como a essência da democracia está a ser consumida pelos abutres da demagogia. Também em tempo relâmpago.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 19 de maio de 2023
