Um cartaz à beira de uma rotunda

porNuno Pinheiro

01 de fevereiro 2025 - 16:59
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Lá está ele, num cartaz à beira de uma rotunda (aliás em muitas) o homem mais anti sistema, Veste-se e apresenta-se como pessoa poderosa, ou seja mais um do sistema, mas tudo faz parte da encenação e é importante desmanchá-la.

Lá está ele, num cartaz à beira de uma rotunda (aliás em muitas) o homem mais anti sistema, Veste-se e apresenta-se como pessoa poderosa, ou seja mais um do sistema, mas tudo faz parte da encenação e é importante desmanchá-la.

Ventura que se coloca como porta-voz dos que não têm voz, como representante das aspirações populares contra as oligarquias, apresenta-se, curiosamente como mais um das referidas oligarquias. Tem sempre fatos de bom corte, a sua comitiva desloca-se sempre em Mercedes ou BMW topo de gama, no referido cartaz aparece um relógio (uma das poucas joias permitidas a um homem pelos padrões machistas) do qual não se reconhece a marca, mas que aparenta muitos milhares (claro que pode ser uma imitação chinesa, mas seria contra os princípios do Chega). Não consegui decidir ainda se tem um notável mau gosto em gravatas, ou se as gravatas amarelas ou cor-de-rosa que pertencem mais a um casamento na província que ao homem de estado que pretende ser, são mau gosto, ou um piscar de olho pimba a um público menos esclarecido em questões de moda masculina. As gravatas berrantes são o punctum de que Barthes fala na sua “Câmara Clara”.

A estranheza da contradição entre se apresentar como pessoa poderosa, homem de estado e ao mesmo tempo ter um discurso contra esses mesmos homens de estado, os políticos corruptos é apenas aparente. O discurso antipolíticos é o instrumento de quem tem enormes ambições políticas, o que aliás não esconde. A agressividade das palavras contrasta com um semblante mais ou menos afável, pelo menos nas fotos. Quando fala gesticula sem parar, fazendo lembrar um senhor de bigode de décadas passadas.

O que é mais estranho é como isto pega. Em poucos anos chegou ao milhão de votos, depois acabou por condicionar e contaminar todo o discurso político português, começando pelo PSD e pelo governo, mas chegando a franjas do PS, veja-se o caso Ricardo Leão.

Ventura é o homem que diz “as verdades”, mas de todos os políticos portugueses é o que mais tem sido apanhado em mentiras, porém as pessoas acreditam. A segurança é sempre um problema, mas em Portugal há problemas bem maiores e mais complicados. Pobreza, habitação, baixos salários, qualidade de vida nas grandes cidades e nem falemos no caos do SNS e na educação, porém o discurso do Chega colocou a segurança e mais concretamente a segurança numa pequena zona de Lisboa como o problema central. Não é bem a zona de que se trata, são as pessoas. É uma campanha contra a imigração que se pretende associar ao pretenso aumento de criminalidade. Também, curiosamente, será o partido com mais dirigentes com problemas com a justiça.

Fontes oficiais, os números da PSP e o diretor da judiciaria contrariam esta visão, apresentam mesmo números que a desmentem, mas ao contrário do ditado é a mentira que vem ao de cima. Diga-se que o respeito pelas instituições policiais tem os seus limites, os seus limites, aqueles em que os dados apresentados vão contra a narrativa, ou quando há ações concretas de integração. Porque é que as pessoas acreditam numa mentira que não tem nenhum fundamento e não no que está demonstrado por dados e números oficiais. A mentira corresponde ao que querem acreditar. Seja por medo, por corresponder a aspirações e desejos a mentira é muito mais apetecível que a verdade, E espalha-se.

É o medo que está aqui em causa. O medo do outro, do que pode ter uma cor diferente, outra religião, outra língua. O medo do que não se conhece. Também é necessário criar inimigos contra que dirigir a raiva, e transformá-la em ódio.

O ódio provoca o caos e a direita mais extrema tem apontado para esse caos, com muito menos sucesso que Ventura, diga-se. A diferença é que dizem imediatamente ao que vão. A pose de estado, a apresentação como pessoa de bem, respeitável, vestindo e comportando-se como tal, sendo até o maior defensor da ordem e lei, é muito mais eficaz. O caos virá, como se vê pelo comportamento dos deputados do Chega.

Como responder? É a resposta que tem sido difícil de encontrar. Talvez seja altura de voltar aos estudos psicológicos sobre o fascismo e o nazismo. Também a verdade, um comportamento ético impecável. A demostração de que a extrema-direita está ligada aos mais obscuros interesses na sociedade. Até agora o sucesso tem sido pouco, mas será na compreensão das razões do crescimento da extrema-direita e na construção de uma esquerda combativa e alternativa verdadeiramente antissistema que se poderão encontrar respostas.

Nuno Pinheiro
Sobre o/a autor(a)

Nuno Pinheiro

Investigador de CIES/IUL
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