Última chamada do SNS

porJorge Costa

15 de abril 2023 - 20:16
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O governo sabe o que é necessário fazer, mas - tal como noutras áreas - a sua proximidade aos interesses privados afasta-o de soluções à altura das dificuldades. Só a força de uma ampla mobilização cidadã pode responder à última chamada de um SNS em estado grave.

Os últimos meses foram marcados pela revelação da maioria absoluta do PS como um poder incapaz, que tropeça nos sistemas de privilégio que promove (TAP, promiscuidade entre governo e negócios) ao mesmo tempo que se desdobra em anúncios fraudulentos. Ainda nos lembramos do “maior aumento de sempre das pensões” que afinal é uma redução no valor real face à inflação. Já se percebeu que a suspensão do IVA sobre um conjunto de produtos alimentares resume-se, afinal, a mais uma borla fiscal aos supermercados. Na habitação, o PS enterra as suas promessas eleitorais e insiste em velhas receitas falhadas para intervir numa situação descontrolada. Nas escolas, o mesmo governo que deixou apodrecer a situação até deixar os alunos sem professores, é agora incapaz de assumir os custos de um acordo com a classe docente.

Enquanto exclui quaisquer medidas eficazes de regulação dos preços dos bens essenciais ou de controlo das rendas e juros bancários à habitação, o primeiro-ministro faz pouco dos sindicalistas do seu partido, recomendando-lhes que exijam aumentos salariais (os tais aumentos que o governo negou aos funcionários públicos, que continuam a perder poder de compra)!

Neste ambiente sulfuroso, há temas essenciais que perdem espaço no debate nacional. Um dos mais importantes é o do acesso a cuidados de saúde. Não podemos dar-nos ao luxo de adiá-lo.

Ninguém suporta mais as esperas e as falhas no SNS. A direita vê este problema na ótica da oportunidade para as empresas privadas, que quer colocar a substituir o SNS. O governo, sem dizer o mesmo, dá a mesma resposta. Mas essa é a resposta errada. O que falta hoje no SNS não existe no setor privado e só existirá se for o Estado a pagar (os serviços e os lucros dos acionistas).

Em vez de um sistema privado só acessível a quem pode pagar um seguro de saúde e muitos furos abaixo da referência dos hospitais públicos, Portugal tem de investir na cura da doença do SNS. É necessário terminar com a falta de médico de família para mais de um milhão de cidadãos, obrigados a sobrecarregar as urgências dos hospitais. Os profissionais de saúde esgotam-se em horas extraordinárias e o bloqueio das carreiras empurra-os para o estrangeiro ou para as empresas privadas. A causa destes sintomas é a falta de investimento e o adiamento pelo governo da construção de hospitais e centros de saúde ou da contratação e valorização laboral de profissionais essenciais.

A doença do SNS está a atingir um ponto de não retorno. É agora que a cidadania deve entrar em campo. Salvar o SNS é tarefa que a luta dos seus profissionais, sozinha, não conseguirá cumprir. Nem seria justo pedir mais isso aos milhares de homens e mulheres que já dão tudo pela prestação de cuidados de saúde ao nosso povo. Eles e elas precisam de nós, utentes e cidadãos, também a exigir o resgate deste elemento essencial da nossa democracia, o SNS. Portugal pode investir na modernização dos serviços, pode atrair e reter os profissionais que o SNS forma mas que não consegue segurar por falta de condições, pode garantir saúde familiar, desenvolver a oferta de cuidados de saúde mental ou de saúde oral, áreas em que o SNS ainda está por instalar integralmente.

O governo sabe o que é necessário fazer, mas - tal como noutras áreas - a sua proximidade aos interesses privados afasta-o de soluções à altura das dificuldades. Só a força de uma ampla mobilização cidadã pode responder à última chamada de um SNS em estado grave.

Artigo publicado em O Regional a 13 de abril de 2023

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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