O último relatório do FMI diz que os custos por aluno no ensino privado (nas escolas que recebem dinheiro do Estado para ministrarem o ensino aos alunos que não têm próximo da sua área de residência uma escola pública) são mais baixos do que na escola pública entre 50 a 400 euros, mencionando dois estudos, um do Tribunal de Contas e outro do Governo. E daqui conclui que «o Governo mantém a intenção de promover as escolas com contrato de associação, bem como a liberdade de escolha entre escolas públicas e escolas com contrato de associação».
Ora, no memorando da Troika de Maio de 2011 (e o FMI faz parte da Troika) afirmava-se a necessidade de “redução e racionalização das transferências para escolas particulares com
acordos de associação”. Segundo o jornal Sol, o próprio FMI teria enviado uma versão preliminar do seu relatório em Dezembro de 2012 em que se podia ler que o programa que financia estes colégios devia ser “cortado até 50% (em termos de número de turmas em cada escola) até ao final do corrente ano lectivo”.
O que levou o FMI a mudar de uma posição pragmática que previa o corte de verbas para os privados, para uma posição nitidamente ideológica sugerindo até “a liberdade de escolha entre o público e o privado” quando a lei portuguesa apenas prevê a existência de contratos de associação quando a oferta pública é insuficiente numa determinada zona geográfica? Terão sido os referidos estudos? Mas como se o estudo encomendado pelo Governo diz-nos que uma turma do ensino básico na escola pública fica 15 mil euros mais barata do que na escola privada?
A confusão está instalada e só pode ser o reflexo dos múltiplos interesses que estão por trás deste negócio dos contratos de associação já denunciado por uma reportagem pertinente da TVI. Mas vamos aos estudos.
Ora, segundo o Tribunal de Contas, o custo médio por aluno em 2009/2010 foi cerca de 120 euros mais caro no sistema público do que no sistema privado (onde foi o FMI buscar os 400 euros de diferença?). O custo por aluno aparece como sendo mais caro no ensino público neste estudo do TC porque, na verdade, e tal como sublinha e bem o estudo do Governo, a principal fatia dos custos é com a docência (cerca de 85%) e a verdade é que em média as turmas do ensino público são mais pequenas que as do ensino privado. Assim, o custo por aluno fica artificialmente encarecido. Daí que o próprio governo tenha mudado a terminologia do Tribunal de Contas, avançando com um estudo que considera os custos por turma, dado que é também nessa base que é entregue o financiamento aos privados. E o que se pode concluir do estudo do Governo é que, na grande maioria dos casos, que são as turmas do ensino básico (mais de 70%), uma turma com contrato de associação custa cerca de mais 15 mil euros do que a mesma turma no ensino público.
Há ainda que acrescentar que, além de mais baratas, as turmas no ensino público têm muito mais alunos com necessidades educativas especiais (necessitando assim de mais recursos ao nível de materiais mas também de docentes), além de modalidades de ensino alternativas que consomem igualmente mais recursos (como por, por exemplo, os Cursos de Ensino e Formação, só para nos restringirmos ao ensino básico). Por isso, há fortes razões para acreditarmos que a margem de lucro das escolas privadas é ainda muito superior a estes 15 mil euros por turma. Como explicar, por exemplo, que o Colégio de Santo André (Grupo GPS, Caldas da Rainha) tenha recebido cerca de 3 milhões de euros do Estado (tendo em conta a existência de 36 turmas com contratos de associação) e só gastou em salários 1,3 milhões de euros, cerca de 40% do total? Ora, se os custos com a docência, segundo o Governo, representam em geral cerca de 85% do total do custo da turma, como explicar esta diferença? Talvez pela sobre-exploração dos profissionais (que são “pau para toda a obra”), mas também indica certamente que os cálculos dos vários estudos feitos até agora sobre o custo real de uma turma no ensino público estão, como já veio admitir o Governo, claramente sobrestimados.
Há, portanto, muitos interesses a mexer. E há uma tensão evidente dentro do Governo e da Troika entre duas escolhas: ou poupar cortando nas transferências para o privado (como afirmava o primeiro memorando e seguindo a tendência de descida das verbas transferidas para estes colégios), ou cumprir o desígnio ideológico da “liberdade de escolha” (que é a escola para ricos e a escola para pobres) expandindo os contratos de associação. O último relatório do FMI quer desfazer essa tensão argumentando que é possível simultaneamente poupar na despesa e cumprir o seu desígnio ideológico de entregar a educação aos privados. Mas fá-lo aldrabando os estudos efectuados. Vai o Governo aldrabar o seu próprio estudo?
Estes dados encontram-se detalhadamente trabalhados no artigo que escrevi para o último número da revista do SPGL (Escola-Informação) e que pode ser consultado na íntegra neste pdf.