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Três mentiras

A posição da União Europeia sobre refugiados e migrantes é mais do que um gigantesco assobio para o ar, é uma vergonha e é desumana.

É um caminho que nos afasta cada vez mais da lucidez e da dignidade e o Conselho Europeu desta semana foi apenas a confirmação. Em vez de solidariedade e humanismo, os líderes europeus serviram-nos medo e xenofobia, enquanto continuam a alimentar mentiras que, de tanto repetir, se vão impondo nas consciências coletivas.

A primeira é a de que estamos perante uma invasão. O lema desta mentira é simples: "Precisamos de cerrar fronteiras e proteger-nos." Quem foge da guerra ou da fome é sumariamente classificado de perigoso, e que ninguém duvide disso. Olhemos, então, para os dados do próprio Conselho. O ano de maior número de chegadas "ilegais" foi 2015, no pico da guerra na Síria, e desde então assistimos a uma queda de 95%. Isso mesmo, leu bem, 95%. São também os dados oficiais que mostram que os países que mais acolheram não tiveram aumento de insegurança ou criminalidade. São os próprios profissionais da agência Frontex que afirmam que nestes anos, de todas as chegadas, apenas uma pessoa foi identificada como tendo possíveis relações a organizações terroristas. Perante isto, o discurso oficial continua a ser o da ameaça.

A segunda mentira é a associação das organizações de ajuda humanitária a redes de tráfico de seres humanos. Mais uma vez, a realidade desmente a acusação. As organizações que salvam as vidas de pessoas que naufragaram são, na verdade, a única linha de proteção contra essas redes criminosas. As políticas até agora aprovadas na União Europeia, pelo contrário, alimentam-nas, ao impedir a existência de passagens seguras e substituindo socorro por patrulhamento.

A terceira mentira é a de que os países terceiros com os quais se fizeram acordos são lugares seguros. Entendamo-nos, a Líbia e a Turquia não o são, nem mesmo para os seus próprios cidadãos. Na Líbia existem três governos e nenhum governa, na Turquia, o autoritarismo e a repressão vão ocupando o lugar da democracia. As pessoas refugiadas aí deixadas destinam-se à morte lenta. É por isso que a simples possibilidade de se instalarem campos de "internamento" na Sérvia ou no Kosovo só pode ser repudiada.

Por muitas voltas que se dê, à União Europeia foge sempre o pé para fazer o outsourcing do trabalho sujo, rodeando a "fortaleza" de campos de detenção.

O preço que pagamos é incalculável. A validação do racismo e da xenofobia são atos criminosos. O caminho para a desintegração vai já em passo acelerado. As desigualdades, a pobreza e a falta de expectativas no futuro foram tratadas pelos líderes europeus como adereços que custaram a credibilidade. A forma como estão a agir perante os refugiados custa o preço da humanidade. Sabê-lo-emos da pior forma.

Escrevia Carlos Drummond de Andrade no seu congresso internacional do medo: "Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços (...). Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas."

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 1 de julho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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