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Trabalho temporário: o shark tank cria empregos?
As notícias desta quarta-feira dizem-nos que tudo vai bem no maravilhoso mundo das Empresas de Trabalho Temporário (ETT). Em 2014 as ETT faturaram 910 milhões de euros, crescendo 4,5% num momento em que o crescimento económico estava perto dos 1%, e os dados indicam que terão um crescimento de 7% este ano. Isto acontece depois de perderem força nos primeiros anos da crise e do mercado das ETT se ter contraído 25%, solidificando a posição das grandes empresas do sector (ler notícia esquerda.net). Só as cinco maiores empresas - Randstad, Kelly Services, Manpower, Tempo Team e Addeco - representam 39% da quota de mercado.
Para os tubarões do trabalho temporário o principal objetivo desse modo de contratação é externalizar a incerteza das empresas para os trabalhadores
No ano passado o trabalho temporário empregava quase 66 mil pessoas em Portugal permanentemente e os tubarões do setor acreditam que as empresas estão a apostar investir no trabalho temporário porque tem um "modelo de contratação flexível" o que é importante "após uma crise" (Luís Gonzaga Ribeiro in Diário Económico, 1/04/2015). Esta posição do diretor-comercial da Randstad corresponde à de um estudo da Michael Page do ano passado, que identificava a flexibilidade como o principal fator de escolha do trabalho temporário pelas empresas (89,4%). De acordo com o mesmo estudo, os trabalhadores temporários encontravam "diversos desafios" como a impossibilidade de planear o próximo emprego (48,5%), conseguir estabilidade para constituir família (28,1%) ou alugar um apartamento (16,3%).
Ou seja, para os tubarões do trabalho temporário o principal objetivo desse modo de contratação é externalizar a incerteza das empresas para os trabalhadores.
No entanto, e muito embora nenhum empresário o queira admitir, o trabalho temporário tem outra vantagem: é muito mais barato, mesmo considerando os serviços da ETT. Em média, os trabalhadores temporários recebem menos 40% do salário do que os trabalhadores com contrato
No entanto, e muito embora nenhum empresário o queira admitir, o trabalho temporário tem outra vantagem: é muito mais barato, mesmo considerando os serviços da ETT.
Em média, os trabalhadores temporários recebem menos 40% do salário do que os trabalhadores com contrato (ver estudo sobre Trabalhadores temporários, desigualdade salarial e baixos salários). Sindicatos, nem vê-los, e quantas histórias conhecemos de pessoas nas empresas e na função pública a realizar exatamente as mesmas tarefas com a mesma qualificação, mas com vínculos diferentes, empregadores diferentes e salários diferentes. O conceito constitucionalmente defendido de "trabalho igual, salário igual" não vale nada no shark tank do trabalho temporário.
Gonzaga Ribeiro (in Diário Económico, 1/04/2015) defende que as ETT "ajudam a criar emprego, pois cerca de 80% não seria criado se não existissem agências de trabalho temporário", o que é falso, porque o trabalho temporário não "cria emprego", mas sim substitui postos de trabalho com contrato por postos de trabalho precários. A maioria do trabalho temporário é, de facto, ilegal, porque as empresas não poderiam funcionar sem os serviços daqueles trabalhadores, constituindo, por isso, postos de trabalho permanentes a que deviam corresponder contratos de trabalho estáveis.
O trabalho temporário é um triângulo das bermudas, onde os trabalhadores perdem salário e direitos e onde os tubarões ganham milhões com a ilegalidade.
Comentários
Pior ainda que só as empresas
Pior ainda que só as empresas privadas a utilizarem esta estratégia, é sabermos que são os próprios organismos estatais que recorrem a trabalhadores temporários, apoiando-se em floreados de denominações como "estágios" e afins. Sabemos que os estágios são (ou deveriam ser) o primeiro passo de uma carreira, muitas vezes com uma remuneração mais baixa, mas seguida naturalmente de um emprego a sério, com remuneração e condições adequadas à formação profissional do indivíduo. No entanto, tal não acontece. Estagiário tornou-se somente um outro nome, diga-se mais "politicamente correcto" para definir o trabalhador temporário e/ou precário. E a alimentar esta máquina estão os milhares de desempregados e jovens saídos das faculdades que desesperam por salário e o tão falado currículo. Assim, muitas empresas aproveitam-se deste aspecto, no fundo, aproveitam-se claramente de uma panóplia e imensidão de recursos muitas vezes altamente qualificados disponíveis a preço de saldos. Nada de novo até aqui, mas não obstante, no mínimo, aterrador. Sai um estagiário, e entra outro, e por aí fora.
O trabalho temporário espalhou-se como uma praga de exploração de uma dimensão assustadora e aparentemente incontrolável, pois se o " vizinho de cima" adopta esta táctica, também outras o fazem. Quem vai pagar 600 euros a um indivíduo com um curso profissional com o 12º ano se o podem ter por 400 ou 300 (abaixo do salário mínimo, muitas vezes...) ou quem vai contratar um licenciado por 1000 euros, se os podem ter por 500 euros? E por aí adiante. A forma de parar isto e restituir a dignidade ao trabalhador, rapidamente? Não sei, parece que é algo cada vez mais distante, quase ao nível da utopia.
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