Trabalho sem direitos

porJoão Alexandrino Fernandes

29 de julho 2010 - 23:00
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A senhora Ministra diz que não sabe algo que, como governante de um país e responsável pela respectiva matéria, devia saber.

A senhora Ministra do Trabalho não sabe se um trabalhador temporário é precário1. Afirmação que surpreende, sobretudo por que vem da pessoa responsável no Estado por esta matéria. E surpreende por dois motivos.

O primeiro, porque mostra que, para governar o país, já não é preciso saber: agora, governa-se pelo desconhecimento. A senhora Ministra diz que não sabe algo que, como governante de um país e responsável pela respectiva matéria, devia saber, no convencimento de que tem o direito de não saber e que a sua admissão de desconhecimento é um acto de governação. Diz “não sei”, admitindo ter desta forma cumprido as funções inerentes ao seu cargo.

Ora, se fosse seguida esta linha de princípios os governantes seriam escolhidos pelo seu desconhecimento relativamente ao cargo que deveriam desempenhar. Assim, nos contactos para a composição de governos, proceder-se-ia da seguinte forma:

-O senhor sabe o que é o produto nacional bruto?

-Não faço a mínima ideia.

-Então será um excelente ministro da Economia! E aquele senhor ali, sabe o que é um tribunal?

-Nem imagino o que possa ser.

Ora aí temos o novo ministro da Justiça! E o senhor sabe o que é um imposto?

-Olhe, com franqueza, não sei, nem nunca ouvi dizer nada nesse sentido.

-Não diga mais. É a pessoa indicada para ministro das Finanças!

O segundo motivo pelo qual a afirmação da senhora Ministra surpreende, é pelo próprio desconhecimento em si mesmo. A senhora Ministra não sabe qual é a diferença entre um trabalhador precário e um trabalhador temporário. Mas, no entanto, apontou um critério de distinção: segundo disse, "Não sei se um emprego temporário é precário, porque é protegido em termos de direitos". Portanto, o que distingue, segundo a senhora Ministra, o emprego temporário do precário é que no emprego temporário há direitos..., no precário, não!

Ora, se a senhora Ministra quiser aplicar o seu próprio critério à compreensão da realidade, então não lhe será difícil saber o que é um trabalhador temporário e o que é um trabalhador precário: o temporário é um trabalhador que tem alguns direitos. E o precário é um trabalhador sem direitos.

Fiquemos por um momento nesta última definição, resultante da aplicação do critério da senhora Ministra: o trabalhador precário é um trabalhador sem direitos. Ora o trabalho sem direitos não se chama trabalho precário, esse é um eufemismo, habilmente criado para ocultar a realidade. No trabalho sem direitos, o trabalhador é reduzido ao estatuto de “coisa”, algo de que se dispõe como se quer. Por isso, o trabalho sem direitos faz do trabalhador uma “coisa”, dito de outra forma, faz dele um escravo.

Dessa forma, e usando o seu próprio critério de distinção - também esse, na verdade, um hábil eufemismo, porque o trabalho temporário é igualmente trabalho precário - o Governo teria que saber que existe em Portugal trabalho sem direitos e, consequentemente, proibir semelhante prática. E, no entanto, é com esta realidade da vergonhosa existência e da expansão do trabalho em que trabalhador é reduzido ao estatuto de “coisa”, que a senhora Ministra e o Governo todos os dias pactuam. Chamando-lhe, naturalmente, outros nomes – para não terem que saber.

1 Ver a notícia publicada aqui, no Esquerda.Net, em 18.07.2010, "Não sei se um emprego temporário é precário", diz Helena André.

João Alexandrino Fernandes
Sobre o/a autor(a)

João Alexandrino Fernandes

Professor universitário em Tübingen, Alemanha
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