Há 138 anos o Trabalhador não tinha Dia. Não tinha horas para viver. A 1 de Maio de 1886, 400 mil trabalhadores fizeram greve em Chicago para exigir a jornada laboral diária de 8 horas. A polícia disparou contra a multidão, matando 11 pessoas e ferindo centenas no que ficou conhecido como Massacre de Haymarket. Os trabalhadores abriram um marco na história. O primeiro 1º de Maio em Portugal foi em 1890 para acabar com o trabalho infantil e os dias de 10 a 18 horas nas cidades. Ainda temos muito Maio, muita história para cumprir no nosso futuro.
Se vives do teu trabalho, o 1º de Maio é sobre ti. Os dramas dos trabalhadores não ficaram no passado – a luta é hoje. Sublinho algumas das prioridades imediatas do Bloco de Esquerda.
Primeiramente, o salário. Um dos primeiros projetos-lei que apresentámos na Assembleia da República foi o aumento intercalar do Salário Mínimo Nacional para os 900€ já no primeiro semestre de 2024. A par disso, propomos uma trajetória de aumentos reais dos salários que não sejam engolidos pelo aumento do custo de vida, com aumentos anuais correspondentes ao efeito da inflação adicionado de 50€.
Também já entregámos projetos para o reforço de 500€ na posição de entrada de técnico superior na Administração Pública; para o regime de dedicação exclusiva opcional com majoração remuneratória para os profissionais dos SNS; para contabilizar todo o tempo de serviço dos professores, para equiparar o subsídio de risco da PSP e GNR ao da PJ; para integrar o suplemento de recuperação processual no vencimento dos oficiais da justiça. E muito mais.
Em segundo, o tempo. A evolução da tecnologia, com algoritmos e a inteligência artificial, não pode servir para tirar direitos a quem trabalha. Há mais de 30 anos que não se reduz a jornada laboral apesar de termos níveis recorde de produtividade. É possível, é imprescindível conquistarmos a semana de quatro dias e as 35 horas semanais para todos. As experiências já foram feitas e os resultados são inegáveis: menos stress e exaustão, mais qualidade e produtividade nos serviços, criação de novos postos de trabalho. O futuro é libertar-nos para termos tempo para o descanso, para a família, para o ócio, para fazer o que nos realiza.
Terceiro, o combate à precariedade e indignidade.
Mais de 800 mil pessoas trabalham por turnos em Portugal. Queremos 2 fins-de-semana de descanso a cada 6 semanas de trabalho; 24 horas de descanso a cada mudança de turno; acesso à reforma antecipada sem penalizações e subsídio para todos os trabalhadores por turnos.
Os jovens – de quem a direita enche a boca, mas por quem pouco fazem – vivem na corda bamba. É preciso eliminar o alargamento da duração do período experimental no 1º emprego, regularizar os falsos recibos verdes, restringir a contratação a prazo a situações verdadeiramente temporárias e limitar o abuso no outsourcing e nos estágios apoiados pelo IEFP.
Por último, a igualdade.
Em 2023, o CEO da Jerónimo Martins ganhou 260 vezes mais do que um trabalhador na caixa do Pingo Doce. Ou seja, os donos disto tudo recebem cada vez mais e somos nós que pagamos os seus lucros e dividendos milionários. Não há falta de riqueza, há é acumulação. Temos de definir leques salariais de referência, de forma que um administrador não possa ganhar num mês mais do que outro trabalhador ganha num ano na mesma empresa.
Em Portugal, as mulheres recebem menos ao longo da vida, quando estão no desemprego e na pensão de velhice. As mulheres acumulam ainda o trabalho doméstico e dos cuidados. Já apresentei uma proposta para aumentar a transparência remuneratória e implementar planos de ação nas empresas para corrigir as disparidades salariais entre géneros em tempo útil e com consequência. O Governo deve criar uma “calculadora da desigualdade”, uma ferramenta eletrónica onde as empresas inserem dados sobre promoções, progressões e remunerações para formular um índice de disparidade salarial que permita aferir dados mais complexos.
Os que sugerem que os imigrantes tiram empregos são os mesmos que não mostram qualquer interesse em punir os empregadores que exploram os trabalhadores imigrantes e que votam contra a estabilidade no vínculo ou a contratação coletiva. O problema é a ganância, a liberalização e o individualismo feroz. Diga-se: é capitalismo. A solução é construir progresso comunitário e redistribuir.
A luta pela dignidade dos trabalhadores não serve os interesses da burguesia. Mas isso nunca travou o espírito e o movimento de quem vive do seu trabalho. O 1º de Maio é dia de recordar e celebrar as conquistas, mas é também para continuar todas as lutas pela emancipação da classe trabalhadora.
Abril não recua, em Maio continua. A história não parou e sim, são vocês, trabalhadores e trabalhadoras, que fazem a história todos os dias. Faremos história com mais salário, menos desigualdade e mais tempo para viver.
Artigo publicado em “O Setubalense” a 6 de maio de 2024