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Trabalhadores de Call center em greve

As empresas de Outsourcing e de trabalho temporário, que respondem pela prática de serviços “externalizados” pelos grandes grupos económicos, constituem uma das maiores formas de prevaricação das relações laborais e do trabalho.

Como todos sabem, as empresas de Outsourcing e de trabalho temporário, que respondem pela prática de serviços “externalizados” pelos grandes grupos económicos constituem uma das maiores formas de prevaricação das relações laborais e do trabalho. Nenhum sector escapa a esta tendência.

Através de relações triangulares e quadrangulares1 de contratação laboral que apenas têm em vista embaratecer o trabalho e libertar os grandes grupos económicos do trabalho com direitos, cada vez são mais os trabalhadores que se encontram sob este tipo de relação de trabalho, caracterizada pela precariedade, pela desregulação e, sobretudo, pela degradação continuada, até ao limite do suportável, das condições de trabalho.

A “externalização” de serviços nos call center é já uma regra e teve nos últimos 20 anos, um crescimento exponencial mas, segundo as empresas utilizadoras apenas dos serviços não considerados como “core business”,mas será que uma empresa de telecomunicações pode existir sem call center, BO ou lojas onde se faz o atendimento dos clientes, se responde às questões dos clientes, novos contratos/vendas, renegociações e alterações de já existentes, processamento de tarefas internas entre outros?

É falso! Os trabalhadores não são dispensáveis mas sim necessários todos os dias para desempenhar funções fulcrais na mais importante missão das empresas, a satisfação dos interesses e das necessidades dos seus clientes!

Embora trabalhem para uma grande empresa não significa que trabalhem nessa empresa, o que se traduz, acima de tudo, que não tenham a mesma segurança nem as mesmas condições de trabalho aí praticados, existindo situações em que trabalhadores internos, laboram lado a lado com externos com realidades salariais tão diferentes. E isto tem de acabar!

As condições retributivas, os prémios e as penalizações

Começando pelo salário, normalmente este tem uma componente base, que anda à volta do salário mínimo nacional. Todas as outras componentes são variáveis, como os prémios de qualidade, assiduidade e produtividade e aqui começa a subtracção:

- Performance de cada trabalhador tendo por base objectivos quase sempre inatingível;

- Avaliação dos atentos auditores de chamada que tudo resumem à matemática simples, desde que seja para, no final de cada mês, pagar o mínimo de prémio possível.

- O tempo médio de chamada que, pode gerar penalizações.

- O número diário de chamadas também pode trazer problemas

- Número de processos inseridos no sistema e tarefas “fechadas”

- Número de vendas e tantos outros que tão bem conhecem tudo em prol de cortar o valor que levam para casa.

Tempo de trabalho totalmente desregulado

O tempo de trabalho, que ronda as 40 horas semanais e as oito horas diárias, em alguns casos é controlado ao minuto, descontando-se todos os minutos não trabalhados. Um pequeno atraso, o PC que demora a ligar, uma ida à casa de banho, etc, podem justificar descontos de tempo, com os respectivos cortes na retribuição. O direito a uma pausa a meio da manhã e da tarde, por vezes passam ao estado de “pausas suspensas”, porque o trabalho é muito.

Por causa do tasking, das alterações de turnos feitas de forma ilegal, os bancos de horas também em alguns casos ilegais muitos trabalhadores nem as 11 horas de descanso consecutivo entre dois turnos gozam.

Condições de segurança e saúde no trabalho

Muitas são as queixas relativas às condições de segurança e saúde no trabalho, cadeiras estragadas ou que não são reguláveis, falta de apoios para os pés, fraca qualidade na limpeza, má ventilação, condições térmicas inadequadas, auriculares danificados, há de tudo sendo que as piores estão ligados aos riscos psicossociais. Os ritmos de trabalho extenuantes, as penalizações, o controlo sobre controlo, a monitorização à palavra, ao minuto e à tarefa, tornam tudo muito mais difícil de suportar, sendo as queixas de depressão, esgotamento e stress laboral e o síndrome de Burnout.

Os exames médicos são realizados sem que se tenha em consideração as condições materiais e psicológicas em que a actividade profissional de cada um é prestada.

Estas “respeitáveis” agências de precariedade, com a protecção das empresas utilizadoras, tendem a espremer ao máximo os trabalhadores a seu cargo acabando na destruição dos trabalhadores, das suas famílias e a sociedade em geral paga os prejuízos enquanto os seus causadores vão saindo mais ou menos incólumes.

Isto tudo acontece em empresas nacionais e internacionais do sector público e privado, como é o caso da Altice, Vodafone, NOS, SRF, Wish, Amazon, Apple, Segurança Social, em todos os bancos e seguradoras, empresas privadas de saúde entre tantas outras.

Fartos disto, centenas de trabalhadores, juntos aos seus sindicatos, encetaram várias lutas que começaram no final de 2016

Tudo isto acontece porque:

* Não há reconhecimento da profissão;

* Nada regula ou valida os contratos entre as empresas para a prestação do serviço;

* Não existe qualquer regulamentação específica para o trabalho em Call Center;

* Total ausência de contratação colectiva para o sector;

* Total ausência de qualquer legislação para os trabalhadores contratados em regime de Outsourcing, embora tenhamos já apresentado uma proposta de legislação à AR.

A luta iniciada em 2016 tem que continuar

Fartos de injustiças e sem perspectiva de solução através do diálogo, centenas de trabalhadores, juntos aos seus sindicatos, encetaram várias lutas que começaram no final de 2016.

Reivindicações concretas:

As justas reivindicações dos trabalhadores são muitas, quase todas por concretizar.

As lutas encetadas foram possíveis porque os trabalhadores consideraram as reivindicações justas e alcançáveis.

Mas os resultados tardam, apenas se conseguiram reposições de algumas reivindicações concretas em alguns locais de trabalho, tais como:

  • Harmonização de subsídios de alimentação com retroactivos;
  • Fim de banco de horas ilegais;
  • Fim de alterações constantes de horários que desrespeitavam a legislação em vigor;
  • Obrigação de cumprimento da legislação de protecção à parentalidade;
  • Marcação e respeito pela férias;
  • Fim de algumas situações de abusos por parte das chefias;
  • Fim de “trabalho gratuito” tanto no que concerne a reuniões/briefings fora do horário de trabalho.
  • Reposição de pagamento total de prémio sem retirada da média os tempos de plenários e das horas de amamentação entre outros.

É nesse quadro que se faz a verdadeira luta por um mundo melhor e por issso, a luta terá de continuar tanto nas ruas como nas empresas e junto do poder politico para o reconhecimento da profissão, regulamentação do trabalho em Centros de Atendimento e Legislação especifica para a contratualização em regime de Outsourcing.

Os trabalhadores não irão ficar por aqui!

Notas:

1 A titulo de exemplo, existem trabalhadores contratados pela Randstad que presta serviço para a Altice que por sua vez presta à SFR , uma empresa de telecomunicações francesa, outros contratados pela Manpowergroup Solutions que presta serviço para a Ptcontact,empresa do grupo Altice que presta serviço para a Altice entre tantos outro que poderiam servir de exemplo. Quase sempre existem mais que duas empresas com objectivos bem diferentes mas que os trabalhadores têm de cumprir...

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Sinttav (Sindicato nacional dos trabalhadores das telecomunicações e audiovisual) e membro da Coordenadora Nacional de Trabalho do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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