Tirem as mãos do nosso SNS

porJoana Mortágua

19 de abril 2025 - 22:30
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Entregar à gestão privada o Hospital Garcia de Orta não serve a população e os serviços de saúde na margem sul. Trata-se de um preconceito ideológico relativo aos supostos benefícios da presença de privados no SNS e vai apenas contribuir para a sua desarticulação.

Luís Montenegro mergulhou o país na crise política e atirou o país para eleições para não dar explicações sobre as avenças que recebia enquanto já era Primeiro-Ministro. Lançou-se ao mar agitado pelo seu próprio taticismo, e afogou-se. Mas o business as usual não para e, no meio desta confusão, o Governo PSD/CDS voltou a atacar a saúde pública e abre as portas do SNS aos interesses dos privados.

No passado 7 de março, o Governo PSD/CDS aprovou uma resolução que dá o pontapé de saída para converter cinco hospitais e centenas de centros de saúde em Parcerias Público-Privadas (PPP), nomeadamente o Hospital Garcia de Orta, em Almada. Esta é uma decisão inaceitável e é um passo derradeiro para a privatização da saúde.

Sabemos que a nossa região é muito apetecível para o negócio da saúde, mas estamos aqui para defender os interesses do povo e não os interesses dos negócios privados. Essa tem sido, aliás, a desgraça do SNS.

Sempre que querem oferecer um retalho do SNS ao negócio, os governos utilizam o mesmo argumento: “nos últimos anos, o orçamento da saúde subiu mas a qualidade do serviço piorou, logo a gestão pública é má”. Mas será mesmo assim?

As razões para o SNS se tornar mais caro são várias e prendem-se essencialmente com o envelhecimento da população e as necessidades de investimento para acompanhar a crescente complexidade das respostas de saúde. Mas há um outro fator que raramente é falado: o parasitismo do negócio privado.

Um estudo da autoria do ex-presidente da Autoridade da Concorrência diz que os cartéis dos fornecedores privados da Saúde lesaram o Estado em 1.500 milhões em 20 anos. Mas apenas 10% das infrações são detetadas. Ou seja, de cada vez que se retalha o SNS para oferecer mais um bocado aos privados com a justificação de que sai mais barato, é mentira. Esses sucessivos contratos foram engordando a capacidade de investimento… dos prestadores de saúde privados que usam esse lucro para vir buscar médicos e técnicos aos hospitais públicos.

Os problemas do SNS não se resolvem por artes mágicas, artes que nenhum gestor privado tem, mas através das soluções que qualquer um de nós consegue apontar: a contratação de médicos, reforçar os serviços de cuidados primários, qualificação das instalações e investimento na saúde pública. Sujeitar a saúde das populações aos objetivos de lucro dos privados é uma traição à conquista democrática que é o Serviço Nacional de Saúde.

Entregar à gestão privada o Hospital Garcia de Orta não serve a população e os serviços de saúde na margem sul. Trata-se de um preconceito ideológico relativo aos supostos benefícios da presença de privados no SNS e vai apenas contribuir para a sua desarticulação.

Todo o mandato de Ana Paula Martins, Ministra da Saúde, foi dedicado a nomear militantes do PSD para as administrações hospitalares, constituindo uma teia de influências para assaltar o SNS. Em fevereiro, Pedro Azevedo, militante do PSD em Almada, foi nomeado Presidente da ULS Almada-Seixal e do Hospital Garcia de Orta, sem qualquer justificação para a troca da administração responsável. Mais um caso de promiscuidade e da partidarização que ataca a gestão do SNS.

Num ano de governação de direita Montenegro tudo fez para desviar recursos do SNS e com isso registou-se um aumento de 40% das urgências encerradas, 1 milhão e 600 mil pessoas sem acesso a médico de família, um recorde das maternidades encerradas (com grande impacto no nosso distrito).

As pessoas não se esqueceram dos tempos da pandemia, durante a qual os privados fecharam as portas a quem mais precisava. Quando a doença aperta, é o SNS que cuida da nossa saúde. Na gestão da Saúde não pode haver lugar para quem ache que esta pode ser um negócio. O SNS deve ser integralmente público e não pode ser entregue, não como um todo, nem aos pedaços a grupos económicos da área da saúde.

Joana Mortágua
Sobre o/a autor(a)

Joana Mortágua

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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