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Tio Costinhas: a resposta do governo à crise é poupar uma pilha de dinheiro

Todos sabem que o Primeiro-Ministro é uma coisa e o Ministério das Finanças é outra. Na realidade, quem manda nisto tudo é o ministro das Finanças. Não este que está agora na cadeira das Finanças, mas o outro, aquele que foi para Governador do Banco de Portugal.

Em 2015, quando o país tentava recuperar da crise provocada pelos donos do mundo e quando tentávamos reverter os cortes da troika, recuperar rendimentos e a economia, Centeno escolhia poupar em vez de investir nos serviços públicos e na economia. Mesmo assim, comparando com a fúria de cortes do governo anterior, o país foi avançando e recuperando e a obsessão de Centeno pela poupança começou a ser tolerada. Grande parte dos portugueses não via com maus olhos que se tentasse poupar um pouco para tempos mais difíceis. Claro que a razão da poupança não era essa. Servia unicamente para ir além das metas do défice impostas por Bruxelas. Ser o melhor dos alunos. Ou pelo menos o mais engraxador.

Com a saída de Centeno do governo, a política da poupança e a aversão ao investimento público mantiveram-se. Os tentáculos de Centeno continuam por cá. Com esta balança invertida, o resultado foi a estagnação. No nosso caso, a estagnação num país ainda pobre, com salários de miséria, com serviços públicos depauperados.

Mas, entretanto, aconteceu a pandemia e pior que a estagnação foi a cegueira doentia de manter a estratégia da poupança, das cativações e do desinvestimento como resposta à maior crise que alguma vez vivemos. A resposta do governo à crise é poupar uma pilha de dinheiro.

Depois de um orçamento para 2020 insuficiente e um orçamento suplementar cheio de promessas vãs, ficamos a saber que o governo nem sequer executou o que ali tinha previsto.

Face a hospitais a abarrotar, profissionais de saúde no limite das suas forças, trabalhadores sem rendimento e sem apoios, empresas sem atividade, famílias desesperadas, o governo opta por não gastar 7 mil milhões de euros que tinha orçamentados. Guarda-os tal Gollum obcecado e destruído pela posse de um anel. My precious.

Também me vem à cabeça a imagem do Tio Patinhas a mergulhar numa pilha imensa de ouro como quem mergulha numa piscina fresca num dia tórrido de verão.

A diferença é que o Tio Patinhas não tinha de responder à maior crise que alguma vez o país atravessou. E o governo tem. A responsabilidade política já não é só do ministério das Finanças com ou sem tentáculos de Centeno. É também do Primeiro-Ministro que lidera este governo.

Sete mil milhões de euros cativados quando milhares de famílias contam os tostões que já não chegam ao fim do mês, restauração, comércio e hotelaria vão encerrando portas por já não terem como suportar as despesas de negócios suspensos. Sete mil milhões de euros cativados quando faltam hospitais, médicos e enfermeiros, trabalhadores informais e independentes continuam à espera de apoios de meia dúzia de euros, professores e alunos se debatem com falta de equipamentos e internet, não é tolerável. Não tem explicação possível e muito menos desculpa.

Quando o país morre aos poucos, já não se trata de matéria de opinião ou de pontos de vista diferentes. Guardar o dinheiro em vez de o investir para acudir a quem dele precisa é profundamente errado e irresponsável. Muitos poderão até dizer, criminoso.

Artigo publicado no jornal “O Setubalense” em 16 de fevereiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Feminista e ativista. Socióloga.
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