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Thunberg em Lavos

Os cínicos de sempre desdenham de Greta Thunberg. Compreende-se. São cínicos e é com cinismo que disfarçam a sua estratégia de nada mexer de essencial para combater as alterações climáticas.

Eles sabem que a iminência de irreversibilidade na catástrofe climática que já estamos a viver exige uma alteração radical da economia e, como isso, das prioridades sociais e políticas. E, justamente porque o sabem e não querem que isso aconteça, desdenham. Dizem que é uma febre, que é uma religião, que é uma moda. Só não dizem o que realmente querem: não mudar nada de essencial que inverta políticas e cânones.

Os jovens que vêm à rua mostrar como é falsa a acusação de que não querem saber de política têm sabido combinar ecologia com justiça. O que eles dizem é que este sistema que atira para longe, no espaço e no tempo, os efeitos da destruição ambiental vitima toda a gente mas vitima duplamente os que vivem nesse longe. Porque esses são, no presente, alvo direto da agressão ambiental que outros não querem no seu quintal e serão, no futuro próximo, parte do todo que sofrerá a acumulação de irresponsabilidades ambientais.

Sendo global, a agressão ao ambiente é vivida diferentemente no centro e nas periferias. E, nisso, a condição das periferias do mundo não é diferente da das periferias das nossas cidades. Reuni esta semana com mais de 200 habitantes de Lavos e da Marinha das Ondas. Gente que vive, há décadas, a agressão de fábricas cujos fumos e cujos cheiros tornam a sua vida e a sua saúde num inferno. Gente que está cansada do discurso de que a tecnologia moderna pode evitar os principais danos do processo industrial – perguntam “onde está essa tecnologia que nós não a sentimos em cada dia em que mal podemos respirar?”. Gente que está farta de saber que se as indústrias poluentes estivessem na zona norte, e não na zona sul, do concelho da Figueira da Foz, nada seria como é porque os ventos dominantes atirariam cheiros e fumos para os turistas e os poderes logo se mobilizariam para não afugentar os veraneantes…

Os cínicos que desdenham de Greta Thunberg talvez passem uma quinzena de férias na Figueira, mas não vivem todos os dias na Marinha ou em Lavos. Fosse construído um centro de tratamento de resíduos a 50 metros das suas casas, fosse o seu dia a dia feito de náuseas e vómitos pelo odor pestilento que se respira, saísse das suas torneiras uma água acastanhada e mal cheirosa, fossem os seus familiares afetados por doenças respiratórias graves aparentemente inexplicáveis e seriam os primeiros a acusar de insuportável o desdém para com os jovens que clamam por mudanças drásticas. Desgraçadamente, esse desdém é apenas prova de inconsciência: mais cedo do que tarde, a sua escolha de manter o essencial como está inclui-los-á no inferno ambiental.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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