Há balanços que convocam muita dor. António Costa não se limitou a ganhar. Em coligação com o seu eleitorado, fê-lo com algum requinte de malvadez: inverteu, por simetria, a votação de 37% e 28% do tempo da PàF em 2015. Se a PàF pode parecer uma sigla longínqua, o que dizer da hipotética maioria absoluta do PS em 2019? Não apontem a Tancos ou a (mais) uma menos hábil campanha de Costa. Só num cenário de expectativas excessivas se poderia pensar que o PS alcançaria uma maioria absoluta sem vitimização ou sem agitar o perigo da ingovernabilidade, procedimentos sem leitura possível face à solidez da dupla companhia de Bloco de Esquerda/PCP na última legislatura.
Houve concorrência a afinar. Dez dias depois das eleições, o PSD vai analisar os resultados eleitorais em sede de Comissão Política. Não há pressas. A grande questão é a de saber se o discurso pós-eleitoral de Rui Rio continua vivo ou se foi só uma alucinação embaraçosa do líder do PSD para desfazer o partido em cacos mais finos. O país não está interessado no ajuste de contas de Rio face aos seus inimigos internos (e tantas razões lhe assistem...) nem no discurso anti-Comunicação Social (quando foi esta que lhe permitiu, ao baixar de tal forma a fasquia, dançar sobre um cadáver ainda quente em plena derrota eleitoral). Daqui a dez dias, a Comissão Política tenderá a analisar a candidatura de Montenegro num partido permanentemente saudoso de Passos. Até que o Coelho apareça, sucedendo a um líder de transição, pensando que o país se esqueceu.
O novo arco da governação, sufragado a votos, saiu vencedor por metade. Entre perda de eleitores e manutenção de deputados, o Bloco de Esquerda alcança um resultado sólido e sustentável num contexto de dispersão e de alguma transferência de votos para Livre e PAN. A lealdade com que o Bloco de Esquerda participou na solução governativa não merecia os ataques de Costa durante a campanha e foi recompensada pela manutenção dos 19 deputados, maior força política de Oposição à Esquerda do PS. Com o pior resultado em legislativas, a CDU alcança um resultado nada animador e pouco merecido. O inevitável debate sobre a questão da liderança - "pertinente" como bem referiu Jerónimo de Sousa - será tido num contexto de um PCP que conseguiu responder positivamente a quatro anos de "geringonça" em que sequestrou a luta social em nome dos interesses do povo.
O CDS acaba a noite a trautear o lema da sua campanha: "faz sentido?" Elege cinco deputados e regressa ao táxi, sem afinação, haja alguém que conduza. Regressar aos valores de 91 após os esfuziantes 24 deputados em 2011 (e os 18 na coligação PàF), é um duro banho de realidade. "Vejo-me como primeira-ministra", assegurava Assunção Cristas em Março de 2018, ainda nublada por Lisboa. Saiu pelo seu pé às 21.30 horas, após uma campanha solitária, num partido dividido entre tendências, fontes de cisão e falta de coesão interna. Cristas escolheu Nuno Melo para as europeias e cavou o caminho da potencial irrelevância que IL, Chega e eventual recuperação do PSD adensam. Cristas tem responsabilidade pelo caminho que os fez crescer. Sai e faz sentido.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 11 de outubro de 2019