Tecnofascismo e a Guerra Santa 2.0

porAndré Julião

02 de fevereiro 2025 - 14:31
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Esta elite tecnofascista que não hesita em estender o braço ao alto quando traída pela emoção é a mesma que vai “educando” crianças e jovens em todo o mundo, via vídeos do Tik Tok, do YouTube ou reels do Instagram.

Poderá ter sido um choque para os mais desatentos, habituados pelos media maioritariamente neoliberais e pelas redes sociais a venerar personalidades “de sucesso”. Mas a alegada saudação nazi de Elon Musk, homem forte do reeleito presidente Trump e responsável pelo recém-criado Departamento de Eficiência Governamental, é tudo menos inédita.

Basta fazer uma pesquisa no Google pelas posições políticas (sim, políticas, sempre foi sobre política) do multimilionário que comprou a Tesla, o Twitter e a SpaceX para juntar dois mais dois. Herdeiro de uma fortuna construída à base do extinto regime sul-africano do apartheid, Elon Musk, mais do que um magnata da tecnologia, simboliza o que a extrema-direita quer para o mundo.

Arrogante, declaradamente anti-imigração e defensor de partidos como a alemã AfD, o que o levou a uma polémica recente com o chanceler alemão Olaf Scholz, Musk faz parte de uma elite de multimilionários do setor tecnológico alinhados com a extrema-direita mundial.

Basta, aliás, ter estado atento à tomada de posse de Donald Trump para reunir uma ampla lista de exemplos: Elon Musk (Tesla, SpaceX e X), Jeff Bezos (Amazon e Open AI – dona do Chat GPT), Mark Zuckerberg (Facebook e Instagram), Sundar Pichai (CEO da Alphabet, dona da Google) Tim Cook, (CEO da Apple) e Shou Chew, (CEO da aplicação TikTok).

Juntos, estes homens controlam a esmagadora maioria da informação a que todos acedemos diariamente, dos motores de busca às redes sociais. E ainda ferramentas poderosas, como a Inteligência Artificial, que são uma enorme incógnita e cujas consequências podem ser, no mínimo, perigosas.

Mas, o que é que isto tem a ver com saudações nazis?

Em boa verdade, o que estes homens têm, além de muito dinheiro, é poder. Por um lado, porque controlam o que grande parte do planeta vê, ouve ou lê. Por outro porque são pilares do que o stablishment defende: capital, influência, notoriedade. Exemplos de sucesso do capitalismo liberal, que acolhem de braços abertos a expansão de uma extrema-direita que quer criar uma nova ordem mundial.

Esta elite tecnofascista que não hesita em estender o braço ao alto quando traída pela emoção é a mesma que vai “educando” crianças e jovens em todo o mundo, via vídeos do Tik Tok, do YouTube ou reels do Instagram. E essa “enformação” vai difundindo a mensagem do populismo global e do neofascismo a uma escala e velocidade incontroláveis.

Os recentes levantamentos a restrições nas contas de líderes fascistas nas redes sociais Facebook e Instagram ou as alterações às regras de controlo nestas duas plataformas, em nome da liberdade de expressão, são disso um bom exemplo.

Este tecnofascismo sofisticado, incontrolável e global veio para ficar. Não só porque é propalado pelos mais ricos dos ricos, mas também porque serve uma extrema-direita em ascensão e que tem tomado o poder nalguns dos mais poderosos países do mundo.

Aliada a esta conjuntura pouco animadora, importa realçar que o jornalismo vai definhando, muito fruto do monopólio das grandes plataformas digitais, que vão sugando as receitas da publicidade sem nada produzir nem pagar os direitos de autor justos nem os  impostos devidos.

As deep fakes e uma nova Guerra Santa

No meio deste turbilhão, assistimos com estupefação à redução da agenda mediática a um único tema: a imigração. Subitamente, deixámos de discutir a Saúde, a Educação, o poder de compra, o custo de vida, os salários, as condições de trabalho e tudo o resto para nos resumirmos a um monotema, que monopoliza o debate político e as discissões nos cafés e à mesa do jantar.

Isto também não é inocente e é uma tendência europeia e mundial. Para quem leu “Como Travar o Fascismo”, do economista, jornalista e professor universitário britânico Paul Mason, o assunto é familiar.

Como explica Mason, o neoextremismo de direita assenta em raízes religiosas muito fortes, ligadas ao cristianismo católico ou protestante. Assumem os paladinos da nova extrema-direita mundial que devem defender, a todo o custo, o seu modelo de sociedade face ao “invasor” estrangeiro.

Invasor esse que vem, invariavelmente, da imigração, sobretudo oriunda de países não cristãos, nomeadamente muçulmanos, mas também hindus ou budistas. Se juntarmos ambas as variáveis, talvez seja mais fácil compreender porque somos diariamente invadidos por notícias falsas e vídeos manipulados sobre imigrantes de países industânicos ou orientais, que chegam para viciar o modelo de sociedade em vigor.

Agressões a crianças e jovens, violações, alegações de subsídios que nem sequer existem, atribuição de casas gratuitas, favorecimentos vários, neo-colonização ou até limpeza étnica são alguns dos temas versados nesses “conteúdos”.

Há vídeos e notícias para todos os gostos, algumas até manipuladas por inteligência artificial (estará o leitor a ver a ligação?) e são difundidas à velocidade da Internet, tornando-se virais em grupos de WhatsApp, cada vez mais segmentados, e partilhadas vezes sem conta.

E nas discussões, à mesa dos almoços de domingo, já não falta aquele primo que viu, que sabe, que ouviu quem disse que estamos a ser invadidos, que os imigrantes (os sem dinheiro, claro) não se lavam, atacam, agridem, violam, roubam, vivem à custa do Estado.

O caminho que Mason mostrou está aí, para quem quiser ver, rumo a uma escalada da violência verbal, física, moral. Dividir o mundo entre “nós” e “eles” é apenas parte de uma estratégia maior para um desígnio com raízes divinas.

Caminhamos, a passos largos, para uma almejada Guerra Santa 2.0, que já faz eco nos ecossistemas virtuais, mas que muitos pretendem que extravase os limites dos ecrãs. E já está aí, para quem quiser ver.

André Julião
Sobre o/a autor(a)

André Julião

Jornalista
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