Entre anunciados esquecimentos e falsas promessas, uma pequena medida para desincentivar a eucaliptização do país está há três anos sem sair do papel. A taxa sobre “atividades económicas que utilizem, incorporem ou transformem, de forma intensiva, recursos florestais” foi inicialmente criada no Orçamento do Estado de 2019. Um ano depois, apesar de todo o país carregar a memória dos grandes incêndios de 2017, o Governo ainda não tinha concretizado a medida e a proposta de Orçamento do Estado de 2020 nada contemplava. Interpelado pelo Bloco de Esquerda a este respeito, o então ministro do ambiente, Matos Fernandes, evocou o esquecimento do seu ministério para justificar a ausência da medida, que veio a ser contemplada em processo de especialidade por iniciativa do Bloco. Apesar da previsão em Lei, já passaram mais dois anos e a medida nunca se concretizou.
Hoje são sobejamente conhecidos os impactos negativos da uniformização paisagística de eucalipto e pinheiro bravo ao nível dos riscos de incêndio de grande dimensão e perigosidade, mas o Governo não quer enfrentar o lobby das industrias conexas a este flagelo. As suas políticas limitam-se à gestão de combustíveis e não apostam nada na mudança estrutural da floresta, ignorando a necessidade de implementar florestas mistas, que são mais adaptadas às alterações climáticas, prestam melhores serviços ecológicos e garantem maior diversificação da economia local. Para reduzir os riscos é preciso travar a monocultura garantindo uma mudança estrutural da floresta (1) e apoiar seriamente as pequenas agriculturas que garantem a fragmentação da floresta nos territórios mais vulneráveis (2). Para a primeira dimensão é necessário: rever os planos de ordenamento florestal (PROF) – alterar metas, deixar de considerar como prioritários os povoamentos puros de eucalipto, etc. – e, em vez de financiar, taxar os promotores da monocultura paisagística, desincentivando a prática e libertando dinheiro para investimento em florestas mistas e autóctones. Na segunda, é preciso que os dinheiros públicos, em especial os provenientes da PAC (agora em discussão), sejam redirecionados em função do interesse público de forma suficiente para travar o abandono da agricultura de minifúndio, em especial nas regiões centro e norte, reconhecendo justamente o seu papel na proteção contra incêndios e na atividade socioeconómica e ambiental.
Os Governos de António Costa têm demonstrado ser altamente permeáveis aos interesses da indústria e do grande agronegócio (para uns produtivista, para outros rentista). Enraizados nos ministérios e instalados na sombra do Estado, direta e indiretamente, são promotores de muitas vulnerabilidades do território a favor dos seus lucros.
A população portuguesa tem pago o preço desta permeabilidade da pior forma: perda de vidas e de bens materiais e ambientais gerada pelos incêndios; elevada fatia dos seus impostos (despesa pública) consumida no combate a incêndios e em medidas de atenuação que são sempre paliativas; maior despovoamento dos territórios rurais.
O novo Governo tomou posse e mais uma vez anunciou que a taxa das celuloses, novamente constante da proposta de Orçamento, em forma de “contribuição especial para a conservação dos recursos florestais”, será mesmo para aplicar, apontando até um prazo de 90 dias após a sua aprovação. Desconhecem-se os moldes da sua aplicação, que determinarão totalmente o seu resultado.
Vozes da promiscuidade já chegaram à praça pública: Francisco Gomes da Silva, Ex-Secretário de Estado das Florestas durante o Governo de Passos Coelho, Diretor Geral da Agroges – empresa com a qual o Governo de António Costa contratou a elaboração da ainda desconhecida Avaliação de Impacto Ambiental Estratégica da nova PAC – e atual Diretor Geral da CELPA – Associação da Indústria Papeleira, afirmou recentemente que tem a expectativa que a aplicação da taxa não se concretize. Decorridos estes anos, creio que qualquer pessoa tem esta expectativa sobre a ação do atual Governo, que pode voltar a “esquecer-se” ou regulamentar a medida de forma a que esta seja inócua.
