Subir salários, valorizar carreiras - o que sabemos do novo Governo?

porIsabel Pires

05 de abril 2024 - 22:04
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Valorizar carreiras, pagar melhores salários, dar possibilidade real de evolução. Estas devem ser prioridades, veremos se de facto há vontade política para fazer acontecer.

Muito se fala constantemente na valorização de salários, mas o Estado continua a dar maus exemplos sobre esta realidade. Há alguns dias, o diretor das oficinas da CP de Guifões dizia, em entrevista ao Público que “Não conseguimos fixar os trabalhadores. Depois de um período de aprendizagem, acabam por se ir embora, porque lá fora pagam-lhes melhor…”.

Poderíamos refletir sobre a gravidade desta empresa em particular, já que houve uma suposta aposta muito forte no setor da ferrovia, em adquirir carruagens para colmatar a falta de comboios, em fazer deste setor um setor competitivo. Todas estas reflexões são importantes e a realidade traduz um dos grandes problemas da ferrovia: fala-se muito na necessidade de investimento nela mas a realidade teima em explicar porque é que continuamos a ficar para trás.

Mas o caso da CP serve igualmente para ilustrar um problema mais geral de baixos salários, também em empresas públicas. Ao mesmo tempo que estas empresas não têm autorização para contratar mais pessoas ou subir salários condignamente, o ministério das finanças deixou um excedente inédito nas contas públicas.

Uma escolha política que teve e tem consequências. Voltamos ao exemplo da CP e das suas oficinas. Estes trabalhadores têm muita formação, que adquirem na própria CP. Estamos a falar de técnicos que acabam por ser altamente especializados, mas cujo salário de entrada na carreira da CP é de 980€. Sendo certo que até têm conseguido atrair novos trabalhadores, também é certo que uma boa parte em pouco tempo salta para o setor privado, já depois de serem altamente especializados, porque facilmente ganham bastante mais.

O exemplo da CP é apenas um de muitos. Mas também há outras carreiras essenciais do setor público que passam por dificuldades. Saúde e educação, se quisermos ir apenas a dois. Faltam professores, faltam médicos. As carreiras não são atrativas e a sangria para o setor privado continuará se não forem tomadas medidas urgentes para a travar. Essas medidas são relativamente óbvias: valorizar carreiras, pagar melhores salários, dar possibilidade real de evolução.

Mas não tem sido essa a opção, o que tem levado muitos destes setores para a rua, com várias formas de luta. Nesta nova conjuntura política, é justo perguntar: o que vai acontecer com estas profissões? Conhecemos o histórico do PSD/CDS no governo e ele não é, de todo, o de valorizar carreiras e aumentar salários. Conhecemos também a pressão da direita mais liberal que continua a viver na fábula de que baixando impostos tudo no mundo se resolve.

O elenco ministerial que já se conhece também não nos deixa descansadas. Na pasta das Infraestruturas, onde a CP se integra, temos um ministro que já esteve em anteriores governos do PSD, especialista em privatizações (além de ser conhecedor a fundo da especulação imobiliária). Na pasta da Saúde, a agora ex-diretora do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital Santa Maria) foi a mesma que abriu guerra com a equipa de obstetrícia, levando à saída de vários médicos e médicas desta equipa, com consequências que ainda hoje se sentem. Perdoem-me se tenho dúvidas sobre a sua capacidade de diálogo real com profissionais que estiveram já mais de 2 anos com negociações que não eram sérias por parte do Governo.

O tempo dirá o que vai realmente acontecer, mas podem já fazer-se leituras políticas do que conhecemos dos protagonistas e, acima de tudo, das políticas. Volto um pouco ao início: valorizar carreiras, pagar melhores salários, dar possibilidade real de evolução. Estas devem ser prioridades, veremos se de facto há vontade política para fazer acontecer.

Isabel Pires
Sobre o/a autor(a)

Isabel Pires

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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