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Sr. primeiro-ministro, pode explicar, por favor?

Ninguém espera que Passos Coelho lidere a política económica europeia. Seria, contudo, dispensável a atitude submissa. Dizer não enquanto a Sra. Merkel disser não e mudar quando esta mudar, é menos do que nada e seguramente bem pouco patriótico.

De um Primeiro-ministro espera-se programa, capacidade de negociação e clareza. Retenho-me na clareza. Como não existe em abstracto, o concreto, no caso em apreço, chama-se posição sobre a emissão de eurobonds. Em miúdos: o equivalente a títulos do tesouro europeus, ou seja, comuns aos países da União Europeia.

O debate sobre os eurobonds não é novo. É, aliás, tão velho que chega requentado. Muitos economistas sustentam que a sua emissão seria crucial para a Europa, mas é também por demais evidente que ela tarda, e muito. Para quem defende que a nossa crise é meramente nacional, o resultado da nossa incompetência, quando não preguiça, os eurobondsseriam não apenas dispensáveis, como um mau substituto para as medidas de austeridade. Mas para quem entenda que a nossa crise é inseparável da crise do euro, então o debate sobre os eurobondsnão pode ser ignorado.

O mistério é: Passos Coelho é ou não favorável à emissão de eurobonds?

Comecemos pela putativa divergência entre o Primeiro-ministro e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o primeiro contra e o segundo a favor. Veio então o Ministro das Finanças garantir que não havia divergência. Disse mesmo que, depois de atenta revisão das declarações de um e de outro, a sua interpretação era a de que as afirmações de ambos eram “compatíveis” e que traduziam a posição do governo...

Ok. Pergunta seguinte: mas qual posição do governo? Resposta: depende. Se for em semana de visita à Sra. Merkel, o Primeiro-ministro será totalmente contra. Se for em semana de debate parlamentar, o Primeiro-ministro terá uma posição assim-assim. Se for em dia de reacção às declarações de Durão Barroso, o Primeiro-ministro estará numa posição absolutamente “compreensível”, mas ainda para o lado do contra. Compreensível porque a proposta da Comissão não é nova e faz parte das suas “obrigações”. Quanto a Paulo Portas, sabe-se que gostaria, mas evita dizê-lo em voz muito alta.

Que o Primeiro-ministro não tenha uma posição clara, é que já não se compreende. Se Passos Coelho recusa esta forma de financiamento como parte da solução para a crise das dívidas soberanas, isso significa que recusa igualmente o envolvimento dos credores. Resta-lhe, portanto, a receita que tem aplicado: menos salários, mais impostos, cortes nos serviços públicos, mais desemprego. A questão é: porquê, se há alternativa?

Ninguém espera que Passos Coelho lidere a política económica europeia. Aí, as mãos são outras. Seria, contudo, dispensável a atitude submissa. Triste posição a do governo português, quando é um dos mais vitalmente interessados nos eurobonds. Dizer não enquanto a Sra. Merkel disser não e mudar quando esta mudar, é menos do que nada e seguramente bem pouco patriótico. A Sra. Merkel já rejeitou os “resgates” financeiros dos países deficitários e foi obrigada a mudar de ideias. Portugal foi o terceiro e nada garante que a lista se tenha encerrado. É certo: mais tarde ou mais cedo, a Sra. Merkel acabará por aceitar a emissão de dívida pública europeia. Para Portugal é que não é indiferente o quando. Porque já é tarde demais.

Artigo publicado no jornal “As Beiras, 17 de Setembro de 2011

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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