SOTEU

porMarisa Matias

10 de setembro 2018 - 14:56
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A menos de uma semana do SOTEU (nome dado ao debate anual sobre o estado da União Europeia), vale a pena passar os olhos pelo estado em que estamos.

SOTEU (State of The European Union) é o nome dado ao debate anual sobre o estado da União Europeia no qual o Presidente da Comissão em exercício, neste caso Juncker, se dirige ao Parlamento e aos cidadãos para fazer um balanço. Com mais ou menos criatividade, o exercício consiste em mostrar que tudo está bem, tudo o que foi feito no ano anterior foi a única opção possível e que no ano seguinte “é que vai ser” e “enfrentaremos todos os problemas” que até aí não fomos capazes de enfrentar. A menos de uma semana do SOTEU, vale a pena passar os olhos pelo estado em que estamos. É que na região mais rica do mundo e com melhor qualidade de vida, o sol quando nasce não é igual para todos os 512 milhões, 59 mil e 44 habitantes.

Várias teses têm sido apresentadas nos últimos anos: a economia está a recuperar; vivemos numa sociedade de igualdade de género; o Estado Social é a prioridade europeia; somos uma sociedade que acolhe.

Comecemos pela primeira tese: a economia recuperou. Recuperou? Se é o caso, para quem? Um quarto da população, ou seja, mais de 119 milhões de pessoas vivem em risco de pobreza ou de exclusão social, sendo que duas em cada três delas têm emprego. Quase 12 milhões de trabalhadores não conseguem contratos com duração superior a três meses e quase 74 milhões têm vínculos precários. Um quarto das famílias europeias vê-se aflita para pagar as contas de cada mês. A taxa média de desemprego jovem é de 16,8%.

Passemos à segunda tese: vivemos numa sociedade de igualdade de género. Na União Europeia, o salário das mulheres é, em média, 16,2% inferior ao dos homens. Uma em cada três mulheres enfrenta ou enfrentou agressão sexual ou física. A cada semana morrem 50 mulheres vítimas de violência doméstica.

A terceira tese é: o Estado Social é a prioridade europeia. Nos últimos anos assistimos a um ataque sem precedentes aos serviços públicos e ao Estado Social. Cortes e privatizações na saúde, na educação, nos transportes ou na cultura passaram a ser a “regra de ouro” de Bruxelas. A escolha é simples: não há dinheiro para investir nos serviços públicos porque os fundos estruturais têm de ir para outro lado. Numa altura em que assistimos a um corte de 300 milhões de euros nos programas sociais europeus, houve um aumento de transferências para a indústria do armamento de mais de 500 milhões e para o novíssimo Fundo Europeu da Defesa irão mais de 48 mil milhões de euros. É de escolhas que falamos e sobre as que são prioritárias parece não restar dúvida.

Por último, a quarta tese é a de que somos uma sociedade que acolhe. Ora, desde 2015 morreram mais de 1o mil migrantes no Mediterrâneo. Até Agosto de 2018, no ano de menor afluência desde o início do conflito na Síria, morreram já 1549 pessoas. O acolhimento confunde-se com a morte, e o Mediterrâneo com um cemitério.

Por fim, a Holanda, Malta, a Irlanda e o Luxemburgo converteram as suas economias em paraísos fiscais gerando uma concorrência entre países que faz perder um trilião de euros em esquemas fiscais que faltam ao investimento público. Tudo isto numa região onde a extrema-direita não pára de aumentar.

Acredito sempre que o dia de amanhã pode ser melhor para todos, mas para isso não se pode fazer vista grossa ou iludir a realidade.

Artigo publicado no Diário de Notícias” de 9 de setembro de 2018

Marisa Matias
Sobre o/a autor(a)

Marisa Matias

Deputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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