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Solução do Governo para o desemprego é facilitar os despedimentos

O conselho de ministros de hoje dar-nos-á o retrato do pântano em que estamos a mergulhar, com um Estado mínimo, com direitos mínimos e abuso máximo.

O debate de urgência sobre o salário mínimo e as leis laborais, que o Bloco de Esquerda traz hoje ao parlamento, responde às questões mais importantes da vida nacional. É o debate necessário no tempo certo. É o debate que confronta o governo com as suas promessas e com as suas decisões.

Mas é também um debate perturbado por mistérios.

O mistério do desaparecimento da ministra do trabalho, que aqui devia estar a responder ao parlamento.

O mistério de um conselho de ministros que reuniu de manhã para tratar da alteração à lei laboral e que, à hora a que começamos este debate, ainda nada comunicou sobre as suas conclusões. Mas estou certa de que o ministro Jorge Lacão vai tudo esclarecer sobre como é que o governo quer criar emprego facilitando os despedimentos.

Porque o país não pode aceitar nem adiamentos nem fingimentos.

Começo por isso com o salário mínimo. O governo reuniu-se hoje de manhã e, ao que se sabe, decidiu não decidir nada sobre o assunto. O Salário Mínimo devia passar dentro de 15 dias a 500 euros, por um acordo negociado, prometido e assinado há anos. É o governo que tem na sua mão a decisão. São centenas de milhares de trabalhadores que deveriam receber o que lhes foi prometido, um pouco menos de um euro de aumento por cada dia de trabalho. Esses trabalhadores são a gente que não recebe dividendos, que não tem prémios de gestão, que não conta a economia por milhões: é a gente de trabalho, os que lutam por sobreviver. O salário mínimo é a barreira contra a pobreza, é a medida do mínimo de dignidade. Cumprir o prometido e pagar os 500 euros a partir de 1 de Janeiro é a dívida da sociedade para com estes trabalhadores.

Não nos diga, senhor ministro, que só vai ser no dia da Consoada que vai comunicar aos trabalhadores que o governo se recusa a cumprir a sua palavra.

O governo não se reuniu somente para decidir não decidir sobre o salário mínimo. Reuniu-se também para tomar uma medida de fundo: alterar mais uma vez a lei laboral para facilitar os despedimentos.

Num dia em que se encontra em Lisboa uma delegação do FMI e na véspera de um Conselho Europeu em que José Sócrates quer apresentar mais medidas económicas, o conselho de ministros identifica o problema fundamental do país.

Há 609.400 desempregados. Este ano, houve ainda 383.769 pessoas que foram retiradas da lista dos desempregados. Nunca na história de Portugal houve tantos desempregados. Nunca foi tão fácil despedir. Nunca houve tantos trabalhadores precários, que nem chegam a ser despedidos porque o contrato termina na próxima semana. O problema, portanto, conclui o governo, é que é preciso facilitar os despedimentos.

Bem sei que o governo é aconselhado pelos melhores especialistas. O Comissário Olli Rehn dá-nos lições sobre a alteração necessária da “rigidez do mercado laboral e do processo da formação dos salários em Portugal”. E o FMI não diz outra coisa.

Sensível aos especialistas, o governo mobilizou-se como uma só voz para a modernização da lei. Logo no dia seguinte à proposta da Comissão veio o 1º Ministro anunciar a posição de fundo do governo: “a resposta é sim, e dentro de dias direi qualquer coisa”.

No outro dia o Ministro das Finanças esclarece tudo: “Não estão fora de hipótese alterações ao código do trabalho”.

Acrescenta logo o Ministro da Economia que “ são necessárias mudanças no domínio do código do trabalho para simplificação administrativa”.

Depois entra a Ministra do Trabalho a advogar que o que é preciso é “optimizar” o actual código do trabalho.

Já só falta mesmo saber a opinião do Ministro dos Assuntos Parlamentares para conhecer toda a cornucópia de especialistas na liberalização da lei laboral.

Aqui está então uma proposta que o governo tem vindo a sugerir: um fundo para financiar os despedimentos. Cria-se o fundo, mas não se sabe quem o paga. O fundo terá dinheiro, mas não nos dizem de onde vem – adivinha-se a solução espanhola, com o financiamento pelos impostos e pela segurança social. O trabalhador pagará o seu despedimento, eis a magnífica invenção do autoritarismo liberal no seu esplendor.

Porque estamos mesmo a discutir responsabilidade.

Responsabilidade sobre as alterações ao código do trabalho.

Responsabilidade sobre o cumprimento do acordo do aumento do salário mínimo nacional.

Porque já conhecemos como começou e por onde continua esta lamentável novela.

O Governo já reduziu a abrangência do subsídio de desemprego, já cortou os apoios sociais, como o abono de família. E, é claro, não aceitou tributar nem as mais-valias das empresas nem os dividendos dos accionistas.

A chamada agenda para o crescimento promete o que não cumpre e mas nunca hesita em penalizar os bodes expiatórios de sempre.

O conselho de ministros de hoje dar-nos-á o retrato do pântano em que estamos a mergulhar, com um Estado mínimo, com direitos mínimos e abuso máximo.

Há rigidez do emprego, diz o governo. E os trabalhadores em empresas participadas pelo Estado, como a Groundforce, são despedidos às centenas por email.

Se a sua solução para o desemprego é facilitar os despedimentos, não concluímos só que o PS se converteu completamente ao liberalismo e autoritarismo mais agressivo. Concluímos também que o governo desistiu do país. Essa é a urgência deste debate.

Intervenção de abertura do debate de urgência “Legislação laboral e Salário Mínimo Nacional” na Assembleia da República a 15 de Dezembro de 2010

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
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