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A Sociedade Paralela

Para Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e para sociedade paralela que representam, quanto menos democracia, melhor, e logo, quanto menos mecanismos democráticos no Tratado de Lisboa, melhor.

Num texto aqui publicado1Miguel Portas deixa a pergunta: porque é que o casal - Angela Merkel e Nicolas Sarkozy - que dirige a UE está obcecado em rever o Tratado de Lisboa, como se esta fosse a solução para resolver os problemas financeiros dentro da União, e ainda, para mais, tratando-se de uma revisão marcada “pelo rapto de direitos de voto e pela automaticidade dos castigos”, e, dessa forma, “tornarem (o Tratado de Lisboa) ainda menos democrático do que ele já é”?

Uma possível resposta à pergunta, ou talvez melhor, um possível início de resposta, pode ser encontrado numa observação recente do escritor e prémio Nobel alemão Günter Grass.

O contexto é uma entrevista concedida à revista política “Cícero”2. A determinada fase, e perguntado pelo entrevistador se não era da opinião de que existiam grupos de migrantes que, recusando a integração social, continuavam a viver dentro da Alemanha em sociedades paralelas, Günter Grass, embora não negando que existiam esses grupos e frisando que são a excepção à regra, respondeu:

“Mas, ao mesmo tempo, a chamada elite do dinheiro da Alemanha vive numa sociedade paralela. Isolarem-se, segundo o modelo americano, em zonas residenciais guardadas, fazerem aí a sua vida própria e colocarem as contas bancárias no estrangeiro – isso é, no meu entender, associal.”

Ora, voltando à pergunta deixada por Miguel Portas, e reflectindo com base nesta resposta de Günter Grass, aquilo que Angela Merkel e Nicolas Sarkozy representam é esta sociedade paralela, a sociedade paralela da elite do dinheiro, da qual ambos, aliás, também fazem parte. Angela Merkel e Nicolas Sarkozy não são democratas, assim como não é democrata a sociedade paralela que representam e em função da qual actuam. Nem são democratas, nem a democracia, enquanto exercício do poder por uma maioria, lhes interessa. Bem pelo contrário. Qualquer resquício de democracia representa, na sua perspectiva, um perigo, porque é imediatamente compreendido como uma possibilidade de intromissão do resto da sociedade, a esmagadoramente maioritária sociedade excluída, no seio da sua estrita e reservada sociedade paralela, a sociedade do dinheiro.

Para Angela Merkel, Nicolas Sarkozy e para sociedade paralela que representam, quanto menos democracia, melhor, e logo, quanto menos mecanismos democráticos no Tratado de Lisboa, melhor. Qualquer que seja o pretexto.


1 „Mistério“, de 04.12.2010

2 „Nobelpreisträger Günter Grass: Die Geldelite verhält sich asozial“, em Cicero - Magazin por politische Kultur, edição online de 10.11.2010, www.cicero.de

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário em Tübingen, Alemanha
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