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Sobre a TAP e as salsichas frescas da francesinha

O combate político não se centra numa quezília entre as cidades do Porto e Vigo, nem num qualquer regionalismo bacoco que põe o Porto contra Lisboa sem apurar o verdadeiro problema.

Alguém chame a política! Roubaram-nos a TAP e ainda tiveram coragem de dizer que pagaram por ela. Levaram décadas de investimento público na companhia e dizem, agora, que deixaremos de ter uma companhia de bandeira – a ideia é tornar low-cost. Low-cost para baixar a qualidade e cortar rotas, low-cost também nos salários.

Rui Moreira tem sido uma das principais figuras contra as decisões da TAP e do Governo sobre este assunto. Na passada semana, o alcaide de Vigo exigiu um pedido de desculpas ao autarca portuense, depois deste ter proferido uma declaração acerca do aeroporto de Vigo:

Vigo sente-se como a salsicha fresca dentro de uma francesinha, com um aeroporto miserável e que percebeu que há um senhor americano em Lisboa que tem uns aviões a hélice parados.”

A discussão sobre a pertinência de reverter a privatização é a premissa ausente em todo o discurso do presidente da Câmara Municipal do Porto. Se, por um lado, Rui Moreira tem sido uma das principais caras contra a desvalorização do aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, por outro, os argumentos que tem utilizado (onde a salsicha fresca da francesinha se tornou a cereja no topo do bolo) desviam o debate da verdadeira problemática, criando um mal-estar entre regiões, mas deixando a discussão pela rama.

O combate político não se centra numa quezília entre as cidades do Porto e Vigo, nem num qualquer regionalismo bacoco que põe o Porto contra Lisboa sem apurar o verdadeiro problema. Só a reversão da privatização e o retorno da transportadora aérea nacional de novo para a esfera pública vai garantir que possamos, novamente, tomar decisões sobre a estratégia da mesma. Para garantir de novo uma estratégia que aposte no Norte é preciso que a TAP seja pública. Está na hora de pressionar este governo a assumir as suas responsabilidades, anulando a privatização.

Onde estava Rui Moreira quando o governo de Passos anunciou a privatização da TAP? Não se pode jogar com um pau de dois bicos: ora reclama junto do Governo e dos novos donos da TAP uma estratégia que defenda o Porto, ora negoceia com a Ryanair novos voos e novas rotas para a região, criando, como sabemos, dificuldades também à própria TAP, mesmo quando ainda era pública.

A esperança para resgatar a TAP novamente para a esfera pública reaparece com a posição da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), onde alega que que há “indícios fundados” de irregularidades na privatização da TAP, apoiada nas imposições decorrentes do Regulamento 1008/2008 no que respeita ao requisito de controlo efetivo da parte nacional do Estado-membro da UE.

Artigo publicado no jornal “Vivacidade”, em 21 de fevereiro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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