A judicialização da política, isto é, a tentativa de resolução de problemas políticos pela via judicial, constitui, sempre, um perigoso precedente de prática antidemocrática. Os exemplos de actos desse tipo, operados nos mais diversos países, são por demais conhecidos e devem merecer o mais vivo repúdio por parte da Democracia.
A iniciativa judicial deveria decorrer de investigação rigorosa, célere e credível, por parte do Ministério Público, sem acções de caracter espetacular ou especulativo, que servindo uma imprensa ávida de escândalos, atropela a busca da verdade e da justiça.
A luta contra as práticas de corrupção activa ou passiva, tendem a ser muitas vezes, confundidas com formas de judicialização da política e com a entrega indevida e espúria da resolução de possíveis conflitos políticos aos órgãos de justiça, transformando estes em involuntários actores políticos, sem que para isso tenham sido democraticamente mandatados.
Não é, e não deve ser nunca esse o entendimento daqueles que defendem a Democracia como o regime político mais consentâneo com a Liberdade e a Justiça, sem perder de vista as questões sociais, os direitos humanos e a defesa do meio ambiente.
A separação de poderes, o executivo, o legislativo e o judicial, constitui um princípio basilar do regime democrático. Por isso a interferência de qualquer deles no âmbito do poder dos outros é uma quebra muito grave do equilíbrio democrático do Estado.
É tão injustificável aos poderes executivo e legislativo interferirem no poder judicial, como a este usurpar as competências daqueles. O chamado tempo da Justiça não pode jogar contra o tempo da política, pois constituem o próprio cerne da democracia.
Apesar de reconhecer a autonomia do poder judicial e a sua legitimidade Constitucional como pilar do Estado, os poderes executivo e legislativo decorrem da representatividade directa do povo por via eleitoral e tal facto não pode ser escamoteado.
O poder judicial, em princípio responde perante o Conselho Superior da Magistratura, que representa os diferentes órgãos judicial. É composto pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por juízes designados pelo Presidente da Republica e juízes eleitos pela Assembleia da Republica e outros, sendo a salvaguarda da independência e da disciplina do poder Judicial, as suas principais funções.
Alguns escândalos jurídicos a que temos vindo a assistir, como os atrasos nos processos e os consequentes entraves à aplicação da justiça, a utilização recorrente de manobras dilatórias e as constantes fugas de informação que levam a que a comunicação social consiga estar no local das acções mesmo antes dos próprios juízes e oficiais de justiça, têm contribuído para alguma descredibilização do poder judicial.
Reconhece-se o direito à independência do poder judicial, mas este não pode colocar-se fora de todo o edifício democrático.
Com um aparelho judicial fragilizado por casos pouco clarificados, por erros sem explicação, por fugas de informação, é a própria democracia que é colocada em perigo.
Estes factos abrem caminho a um certo justicialismo e às manobras daqueles que pretendem tudo resolver com super-homens, salvadores da pátria, figuras míticas e inúteis, tanto ao gosto da extrema-direita, aqui como em qualquer parte do mundo.
Em nome da defesa da sua própria independência, cabe aos juízes e aos órgãos que os representam repensar os mecanismos judiciais para obstar a quaisquer tentativas de manipulação do pilar judicial do Estado e do prestígio da Justiça, como instância de apelo do Povo Português, que nela deve poder confiar.
Nada disto pode impedir que os próprios órgãos do aparelho judiciário não prestem contas dos seus actos perante a entidade onde reside toda a legitimidade do poder democrático, o Povo Português, sem interferência dos outros poderes, mas como clarificação dos seus próprios actos.
À Justiça, como se dizia da mulher de Cesar, não basta ser séria, necessita de parecê-lo.
