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Sob a proteção da Divina Providência

30 anos depois, nasce o primeiro bebé na maternidade, agora reaberta, do hospital da Misericórdia de Vila Verde. Há uns anos, o ministro Correia de Campos mandou fechar a maternidade do hospital público de Barcelos. O que é igual, parecido ou diferente nestes dois factos?

A notícia faz a primeira página de alguns jornais: 30 anos depois, nasce o primeiro bebé na maternidade, agora reaberta, do hospital da Misericórdia de Vila Verde. Há uns anos, o ministro Correia de Campos mandou fechar a maternidade do hospital público de Barcelos. O que é igual, parecido ou diferente nestes dois factos?

Vila Verde e Barcelos pertencem ao distrito de Braga, Vila Verde a pouco menos de 20km da sede do distrito e Barcelos a pouco mais dessa distância. A população de Vila Verde não chega aos 50 mil, a de Barcelos ultrapassa os 120 mil. Em Vila Verde, o hospital deixou de ser público em 95, ano em que foi devolvido à Misericórdia. Em Barcelos, o hospital continua público, não regressou à posse da Misericórdia. E, claro, em Vila Verde há maternidade (particular), em Barcelos deixou de haver maternidade (pública).

O fecho das maternidades do SNS – e Barcelos não foi exceção – foi sempre justificado pela necessidade de assegurar qualidade e segurança para as parturientes e os recém-nascidos, uma e outra definidas em função da casuística, do corpo clínico e da existência ou proximidade a determinados serviços e meios de apoio clínico.

Barcelos tem mais do dobro da população de Vila Verde, é difícil imaginar que há mais grávidas e crianças a nascer em Vila Verde. Um e outro hospital estão praticamente há mesma distância do grande hospital central e polivalente da região, o São Marcos em Braga. O hospital de Vila Verde publicita a existência no seu corpo clínico de cinco ginecologistas/obstetras, três cardiologistas, dois internistas e dois neurocirurgiões, entre aquelas especialidades mais requisitadas em situações problemáticas e de risco. O serviço de urgência é assegurado por onze clínicos.

Em Barcelos, rigor máximo para a maternidade pública. Em Vila Verde, tolerância máxima para a maternidade particular. O que tem Vila Verde que Barcelos não tem e que leva quem decide a decidir desta maneira? Só pode ser mesmo a proteção da divina providência. Afinal de contas, em Vila Verde, a maternidade é da Misericórdia local...

Ao longo dos anos, sucessivos governos transformaram o SNS numa manta de retalhos. A par dos hospitais geridos diretamente pelo estado, coexistem hospitais públicos explorados por grupos privados e outros dirigidos por misericórdias, introduzindo profundas assimetrias nos critérios, nas prioridades e nos modelos de organização e prestação dos cuidados de saúde de que resulta, em última análise, diferenças significativas nos serviços e tratamentos postos à disposição dos doentes. Diferenças, também, nas exigências de qualidade e segurança impostas aos serviços públicos e aos privados, um excesso de rigor para tudo o que é público, um facilitismo permissivo para o que é particular ou privado. Tudo isto desequilibra o SNS e fragiliza o direito à saúde.

É preciso proteger o SNS, não, com a divina providência mas, sim, com novas políticas!

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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