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Só cá faltava o Pétain

Porventura (...) por simples desejo gaullista, Macron assume a pose de um monarca, e daí esta reverência pela autoridade das figuras militares do passado, sejam quem forem.

No lado obscuro da política francesa, alguns dos principais colaboracionistas durante a segunda Guerra Mundial foram sempre protegidos contra a punição pelo seu apoio à ocupação nazi. O caso mais célebre é o da Maurice Papon, que fez parte da direção da polícia de Bordéus entre 1940 e 1944 e decidiu a deportação de pelo menos 1690 judeus para os campos de concentração. Foi depois chefe da polícia de Paris entre 1958 e 1967, foi condecorado por De Gaulle, chegou a ministro do Orçamento de Giscard D'Estaing e, uma vez denunciado, foi protegido pelo seu partido mas também por Mitterrand. Finalmente condenado, nunca foi preso.

Assim, a evocação de Pétain por Macron, no contexto da comemoração do centenário do armistício, tem precedentes. Pétain chefiou o governo de Vichy, o regime colaboracionista, foi condenado depois a prisão perpétua e, ao contrário de Papon, cumpriu pena. Mas homenageá-lo como “chefe militar” da primeira guerra, se levou o seu país a ceder às tropas nazis na segunda guerra, é por isso um absurdo e até uma provocação às vítimas da mortandade e do holocausto.

Para os que se ficaram surpreendidos ou magoados com o incidente, convém lembrar que Macron tem uma afirmada e antiga devoção pelo cesarismo, que o levou a explicar que a figura do rei fazia falta em França. Numa entrevista de 2017, quando lançava a sua campanha presidencial, explicou que “na política francesa, o ausente é a figura do rei, e penso que na essência o povo não queria que morresse. O Terror criou um vazio emocional, imaginário, coletivo: não há rei! Procurou-se depois ocupar esse vazio, colocando outras figuras: foram os momentos napoleónico e gaullista, nomeadamente. No resto do tempo, a democracia francesa não preencheu o espaço.” Porventura por lamentar esta “ausência do rei”, ou por simples desejo gaullista, Macron assume a pose de um monarca, e daí esta reverência pela autoridade das figuras militares do passado, sejam quem forem. Só que na penumbra da história todos os crimes se tornam indistinguíveis, e essa falta de memória esvazia a democracia.

Artigo publicado em expresso.pt a 13 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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