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Sinais novos no horizonte político

Dois anos e meio de “geringonça” e na reta de lançamento para o ciclo eleitoral de 2019, os equilíbrios constituídos dão mostras de alguma erosão e deixam margem para uma certa imprevisibilidade.

Os sinais são inequívocos, algo está a mudar no panorama político português. Dois anos e meio de “geringonça” e na reta de lançamento para o ciclo eleitoral de 2019 (legislativas, europeias, regionais da Madeira), os equilíbrios constituídos dão mostras de alguma erosão e deixam margem para uma certa imprevisibilidade.

Para isto contribuiu a substituição de Passos Coelho por Rui Rio na liderança do PSD, superando o traumatismo da constituição do governo de António Costa no contexto dos resultados eleitorais de 2015, que lhe tinham dado a vitória com maioria relativa. O novo líder do PSD interrompeu o ciclo de acantonamento da direita, uma espécie de seguro de vida da atual maioria.

Mas, ao fazê-lo, com os “acordos de regime” sobre descentralização e fundos europeus, Costa abriu uma verdadeira Caixa de Pandora. São óbvios os sinais de diferenciação dentro do PS e de descontentamento no relacionamento entre o governo e os seus apoiantes à esquerda. Não só pelo eco positivo que tiveram na Presidência da República, a agenda reformista de direita de Marcelo, mas sobretudo pelo seu valor simbólico.

António Costa sabe que o seu partido não ultrapassou a crise estrutural que atravessa todos os partidos social-democratas e percebe que deve manter um relacionamento com os partidos à sua esquerda. Mas sabe também que as aspirações a ganhar as legislativas de 2019 de uma forma confortável (idealmente com maioria absoluta) passam por conquistar mais votos ao “centro”, já que Bloco de Esquerda e PCP se têm mantido estáveis.

O governo procura dar sinais de moderação entendendo-se com o PSD em determinadas matérias, da mesma forma que mostra fidelidade às regras e aos compromissos europeus. É assim que se deve entender a polémica acerca do valor revisto do défice das contas públicas previsto no Plano de Estabilidade e Crescimento para 2018, que corrige em baixa aquilo que foi negociado com Bloco e PCP e inscrito no Orçamento desse mesmo ano.

Esta revisão é o prosseguimento da política de austeridade e de cortes no investimento público que tem mantido muitos serviços do Estado em situação de rutura, sendo que aquela revisão nem é exigida pela União Europeia e nem se justifica do ponto de vista orçamental. Existe uma folga criada pelo bom andamento da economia, o crescimento está acima do previsto e o mesmo se pode dizer em relação ao saldo das contas públicas.

O primeiro-ministro procura fazer a ponte com setores da opinião pública mais sensíveis a um posicionamento dito “responsável” e que mais gostam da mensagem de “segurança” que aquele procedimento conservador parece assegurar ao permitir acelerar o ritmo de amortização da dívida pública. A solidariedade do governo em torno de Mário Centeno quando este negou a possibilidade de aumentar os funcionários públicos e de descongelar totalmente as suas carreiras no próximo ano confirma esta intenção.

Porém, tudo isto está a levantar ondas de contestação nos trabalhadores mais afetados (saúde, educação, forças de segurança e outros funcionários públicos), nos utentes dos serviços públicos, está a criar mal-estar no relacionamento com Bloco de Esquerda e PCP e a provocar fissuras dentro do próprio PS. Vejam-se as declarações à esquerda de dirigentes históricos do partido como António Arnaut e, no polo oposto, as declarações provocatórias de Augusto Santos Silva de fidelidade à “terceira via” de Tony Blair e a uma certa visão direitista na génese da atual crise da social-democracia.

No terreno social o caso mais paradigmático é o da saúde. A Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a precisar de ser revista para clarificar as relações entre o setor público e o setor privado e para reorientar os objetivos de política de saúde num sentido que acentue o papel da prevenção da doença. Têm surgido iniciativas de profissionais e utentes do SNS que clamam por uma contenção e regulação do setor privado que vive à sombra do público e muitas vezes em concorrência com ele. O governo prepara-se para conduzir uma alteração cosmética da Lei de Bases que deixa tudo na mesma e acumula as contradições atuais.

Por outro lado, não só os profissionais do setor da saúde têm as condições de trabalho degradadas, como assistem à destruição dos seus serviços de forma assustadora. O governo, com o subfinanciamento injustificado à luz de todos os critérios, recusa-se a valorizar as carreiras destes trabalhadores e a assegurar a manutenção dos equipamentos.

António Costa é conhecido pela habilidade e capacidade negocial e isso tem-lhe servido para sobreviver num contexto que parecia inicialmente muito adverso, mas isso não basta quando as contradições se tornam insanáveis. Hoje os partidos à esquerda do PS mostram que são uma alternativa real, que não só dispõem de políticas para responder aos anseios de muitos portugueses e portuguesas, como têm quadros com competência para as concretizar. Este é um sinal também ele novo na política portuguesa com um enorme potencial fraturante no PS. Resta ao Bloco saber aproveitar esta circunstância.

(Artigo publicado no Jornal Raio de Luz em Abril de 2018)

Sobre o/a autor(a)

Economista e professor universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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