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Senhor Eucalipto

O predomínio do eucalipto na nossa floresta é somente um sinal da vulnerabilidade de Portugal.

Vários jornais acolheram três páginas de generosa publicidade paga que lançou o grito de alerta: há desinformação sobre os incêndios e, pior, “o ataque que se tem registado contra o eucalipto promove a desertificação do interior”. Nove municípios, uma lista de académicos que modestamente assinam “professor tal e tal”, associações de produtores, as principais empresas do setor, os ex-ministros do PS que estão sempre nestas coisas, todos se juntam para repelir o “ataque”. Entre eles destaca-se Álvaro Barreto, que Cavaco Silva foi buscar à Soporcel para dirigir o Ministério da Agricultura e que depois voltou à empresa para cumprir uma longa presidência, um dos mais eloquentes exemplos portugueses da porta giratória entre governos e as empresas do setor que tutelou. São os mandantes, os financiadores, os políticos, os empresários, o Senhor Eucalipto.

Irritados com o Parlamento e com o Presidente, um porque recomendou a retirada dos eucaliptos infestantes, outro porque se fez filmar a arrancar os ditos cujos, os signatários declaram-se dispostos a um debate “que permita aprofundar o conhecimento”. Ora melhor assim. Mesmo que alguns se tenham esquecido de declarar o seu interesse pessoal direto na matéria, o que só lhes ficava bem, falar de “factos sobre a floresta” é razoável.

Mas vejamos o primeiro facto: Portugal é o país do mundo que tem maior proporção de área eucaliptada (e o quarto do mundo em termos absolutos). Maravilha, nenhuma empresa e nenhum governo em país algum do planeta inteiro percebe o milagre que é o eucalipto e replica o sucesso português. A esperteza empresarial é privilégio único daquela lista de professores e empresários que assinam a publicidade, são os melhores do mundo. Entretanto, perguntar qual a razão para que todos os outros países do mundo imponham limites ao eucalipto é crime de lesa majestade. Segundo facto: o eucalipto já representou 24% da área ardida em 2016 e 127 mil hectares em 2017, no ano corrente ainda a conta está por concluir. No incêndio de Monchique, foi o eucalipto. Muitos dos distintos signatários são pagos pelo eucalipto e percebe-se a sua candura, mas escusavam de argumentar que ele nos protege do fogo.

Se nos dizem que o abandono do interior, a perda da agricultura e o desinteresse pela floresta também têm muitas outras razões, só posso concordar. O problema é que o Senhor Eucalipto é hoje a força económica dominante na floresta e o lóbi mais poderoso nos sucessivos Ministérios da Agricultura, e a sua ação agrava os riscos da floresta, acumula pilhas incendiárias e promete aos pequenos proprietários o que não lhes pode dar. O predomínio do eucalipto na nossa floresta é somente um sinal da vulnerabilidade de Portugal. Que as empresas beneficiárias defendam o seu privilégio e que arregimentem os seus para uma declaração de subserviência, é natural. Que o país vá sofrendo esta prepotência, enterrando os seus mortos nos incêndios, carpindo as perdas das famílias atingidas e esperando resignadamente a desgraça do ano seguinte, isso já é menos aceitável.

Artigo publicado em expresso.pt a 20 de novembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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