Sem ponta de resolução

porMiguel Guedes

18 de maio 2020 - 10:58
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Resumir o conflito institucional entre António Costa e Mário Centeno a um problema de comunicação seria uma doce e meiga resolução para um primeiro-ministro que tratou de travar a fundo para guinar de direcção.

Durante algum tempo, questionava-se se a falta de habilidade política de Centeno alguma vez desempenharia um papel decisivo na aritmética da política interna. À memória, o riso de escárnio de Passos Coelho, aquando da primeira intervenção parlamentar do ministro em 2015. Dois anos depois, deu-se o aparecimento do "Ronaldo das Finanças" enquanto presidente do Eurogrupo que, transportando a aura da indiscutível competência técnica, o elevou ao Santo Graal. Centeno, com distinção e currículo, passou a ser inatacável. Até agora, chegado o momento que Marcelo escolheu para lhe desferir o primeiro golpe.

"Paso doble" sem arena: António Costa aproveita para lançar Marcelo na sua recandidatura presidencial, sem que o PS tenha definido ainda candidato. Apesar da conversa entre Marcelo e Centeno - longa ia a noite - poder ter servido para confinar azedumes, ninguém esquece que primeiro-ministro e ministro das Finanças colocaram, horas antes, o país em suspenso numa altura de pandemia. Mas fosse essa a pior notícia e poderíamos dormir descansados.

Infelizmente, novos 850 milhões de euros foram já injectados no Novo Banco, sucedendo aos 3,9 milhões de 2014, aos 792 milhões de 2018 e aos 1,149 mil milhões injectados em 2019. Se pensarmos nos 6,030 milhões de euros que custou aos contribuintes, do BES já todos levamos números para insónias. O facto desta nova tranche de 850 milhões ter sido transferida por Centeno após António Costa ter garantido a Catarina Martins, a 22 de Abril, que não haveria qualquer reforço do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução e ao Novo Banco até se conhecer o resultado da auditoria que está em curso (auditoria, determinada por Lei em 2019, defendida por Costa e Centeno para apuramento de responsabilidades), diz bem dos ziguezagues do poder político e de como ele se verga ao poder financeiro mal este apita para os longos intervalos de silêncio do jogo de bastidores.

Em Janeiro, uma proposta do Bloco de Esquerda visava garantir que qualquer injecção de capital público tivesse de ser submetida à aprovação na Assembleia da República. Rejeitada pelo mesmo PSD que agora a propõe como medida de salvação, poderia ter evitado que mais estes 850 milhões passassem, sem escrutínio, para as mãos de gestores que se autopropõem a prémios de 2 milhões de euros por um exercício de 2019 em que o banco registou perdas superiores a mil milhões de euros. Num banco que "herdou" o crédito malparado das dívidas da Fundação Berardo, Luís Filipe Vieira, Grupo Mello, João Pereira Coutinho, Ongoing, do Sporting ou da família Moniz da Maia, o espectro que paira no ar é de que a irresponsabilidade é ainda maior do que a falta de honra no compromisso político publicamente assumido.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 15 de mail de 2020

Miguel Guedes
Sobre o/a autor(a)

Miguel Guedes

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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