Sem culpa, sem vergonha, sem medo

porSandra Cunha

22 de junho 2016 - 14:57
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Todos e todas têm o direito de passear mão na mão, sem culpa, sem vergonha, sem medo.

Passear de mãos dadas, dar um beijo nos lábios ou mesmo esboçar um qualquer ato de carinho em público, com o namorado ou namorada, é comum, considerado natural e muitas vezes olhado até com algum carinho e com um sorriso nos lábios por qualquer transeunte que observe a cena.

A afirmação anterior é verdadeira para casais heterossexuais, mas não o é para casais homossexuais. E é esta subtil diferença que prova, que apesar das conquistas alcançadas em matéria de direitos sexuais e reprodutivos e de direito à não discriminação em função da orientação sexual, há ainda um longo caminho a percorrer para a igualdade social.

É fácil a comparação se recuperarmos do passado, a discriminação que os casais mistos sofriam por amar quem não podiam. Primeiro a proibição legal, depois a condenação social que se arrastou durante anos e espaços. É esta mesma condenação que os casais homossexuais suportam todos os dias, em quase todo o lado. Os olhares reprovadores, os dedos apontados, as injúrias. O “façam isso em privado” como se dar as mãos ou trocar um beijo fosse um ato odioso e ofensivo. O viver a vida escondendo-se, no trabalho, na escola, na fila do supermercado, no autocarro, na família, como se de atos criminosos se tratasse, como se o direito à felicidade e à liberdade fosse privilégio para uma elite conformada à pretensa normalidade social.

São também os hotéis em Afife que se rogam o direito de vedar o acesso a pessoas homossexuais, ou as práticas que afastam da escola alunos que se assumam ou que se descubra serem homossexuais, ou ainda as declarações públicas de figuras com mais ou menos responsabilidade social que afirmam que a homossexualidade “faz mal à saúde” ou as hediondas chacinas motivadas por ódio homofóbico como a que ocorreu em Orlando, nos Estados Unidos da América no passado dia 12 e vitimou 49 pessoas e feriu 53.

Mas são igualmente as afirmações de quem acha que lutar pela igualdade de direitos, seja em função da orientação sexual ou da identidade de género, é uma causa menor, uma não prioridade ou uma matéria de pouca importância. Talvez para quem não é, quotidianamente, ferido nos seus direitos e privado da sua liberdade, não seja fácil compreender a importância destas lutas.

São, contudo, também estas lutas, que respeitam ao modelo de sociedade no qual queremos viver. Uma sociedade em que todos e todas possamos viver com a liberdade de sermos nós próprios sem sermos continuamente forçados a desempenhar um papel tal atores secundários numa vida que não é a nossa.

No passado dia 18 celebrou-se a maior Marcha do Orgulho LGBTI em Portugal. Não se trata apenas de uma festa colorida ou espalhafatosa como muitos a adjetivam. Nela, celebram-se as conquistas alcançadas, mas lembra-se igualmente tudo o que ainda falta fazer. Nela promove-se a visibilidade, confrontam-se preconceitos e estereótipos, lembra-se a cada um e cada uma que o amor não deve obedecer a cores ou a convenções sociais. Que todos e todas têm o direito de passear mão na mão, sem culpa, sem vergonha, sem medo.

Sandra Cunha
Sobre o/a autor(a)

Sandra Cunha

Feminista e ativista. Socióloga.
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