Se os super-ricos têm mais, tu tens menos

porNelson Peralta

17 de fevereiro 2025 - 16:01
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Quero responder ao argumento memético dirigido à esquerda "vocês querem acabar com os ricos, já nós queremos acabar com os pobres". Comecemos pelo início, o facto de existirem ricos tão ricos é ou não um problema para a sociedade?

A injeção massiva de dinheiro na economia como resposta à saída da crise de 2008 levou a uma acumulação de capital sem paralelo na História do capitalismo. Tivemos uma década de "trickle up" que originou uma desigualdade social tão gritante que é essa a característica fundamental desta fase do capitalismo. As sacrossantas regras do mercado - oferta e procura – são substituídas pela capacidade financeira de alimentar prejuízos de milhares de milhões e de valorizar os próprios bens onde o capital toca. E a globalização neoliberal está a ser desfeita. Aplicam-se as novas regras dos super-ricos.

Na economia dos super-ricos, quanto mais eles têm, menos tens tu. É a economia bola de neve de acumulação e desigualdade: com tanto dinheiro, criam super-inflação nos seus bens típicos (como ações) e nos novos sectores onde entraram em força (habitação).

O que é que os super-ricos estão a comprar e a meter no bolso?

A tua liberdade de expressão para a cancelar. Controlam as redes sociais, controlam o que vês, o tom e o campo de debate social e até têm o desplante de alterar as regras após a eleição de Trump. A aquisição mais famosa foi a do Twitter, fundamental para a propagação da cultura e a vitória eleitoral de Trump. Musk pagou 44 mil milhões de dólares. Na altura a sua riqueza valia menos de 200 mil milhões. O Twitter desvalorizou... mas a vitória de Trump fez a riqueza de Musk disparar para os atuais 420 mil milhões de dólares.

Ainda a tua liberdade de expressão. Compram os jornais. Jeff Bezos comprou o Washington Post por 250 milhões de euros em 2013. Entretanto, cartonistas que queiram fazer desenhos críticos são despedidos e proibiu o jornal de fazer o seu tradicional "endorsement" (apoio a um candidato, que no caso iria ser a Kamala Harris). Fica a pergunta: este jornal publicaria hoje o escândalo watergate se envolvesse políticos da preferência de Bezos? Em Portugal, grupos de comunicação social controlados por figuras obscuras do universo Banco Espírito Santos, oligarcas russos e claro e outros grupos empresariais. Assumem o prejuízo na comunicação social, porque ganham na cultura política que impõem.

Na habitação. Com tanto dinheiro, é preciso expandir as aquisições. E os super-ricos e os super-fundos de investimento entraram em força no mercado imobiliários (habitação, logística, infraestrutura). Contribuíram igualmente a diversificação funcional das casas para o turismo. E desviaram ainda a capacidade construtiva para o luxo. Este é o principal factor que fez aumentar drasticamente o preço das casas. Perante esta avalanche de dinheiro, as políticas públicas que não afrontem o problema apenas controlam a quantidade de neve sob a qual ficamos soterrados. Quanto mais imobiliários os super-ricos compram, mas impossível fica para ti ter uma casa para habitar.

Os teus políticos. A democracia. Como Bernie Sanders tem alertado, os Estados Unidos estão em registo oligarquia. E não ficará por lá, o homem mais rico do mundo quer estender a sua influência e o seu algoritmo para a Europa (que se revela incapaz), para o Brasil (que resistiu) e outros países. Cá vai chegando.

O conceito trabalho. A uberização das relações laborais só foi possível com a empresa a ter prejuízos de mais de 22 mil milhões de euros nos primeiros anos. Só uma carteira infindável de dinheiro poderia suportar tais prejuízos em nome de mudar a cultura e a legislação laboral no globo. E também porque sabiam que com tanto dinheiro um outro produto da empresa só poderia subir: as suas ações bolsistas.

A tua pensão de reforma. Se têm dinheiro, querem mais dinheiro para gerir, especialmente para alavancar a super-inflação dos seus outros bens. É por isso que a privatização – mesmo que parcial – da segurança social é uma tentação. O risco fica do lado dos pensionistas, os proveitos para os super-ricos.

Os teus impostos e/ou serviços públicos. Os super-ricos não pagam impostos ou pagam a uma taxa muitíssimo menor daquela que tu pagas pelos rendimentos do teu trabalho e pelo IVA. Se quem concentra toda a riqueza não paga impostos, és tu que tapas esse buraco e/ou que sofres com serviços públicos cronicamente subfinanciados.

É assim bastante claro. A existência de super-ricos não é neutra para a sociedade. Pelo contrário, moldou a economia e o acesso a bens essenciais e à habitação em prejuízo da esmagadora maioria da habitação do planeta. É essa a marca dos super-ricos. E estamos só no início, a riqueza deles cresce a uma taxa muito superior que o património dos comuns. A desigualdade aumentará exponencialmente, assim como os seus efeitos e a vontade de meter mais governos mundiais no bolso. Quantos mais super-ricos, mais pobres e mais remediados.

Se percebemos que a era dos super-ricos é um problema para os demais, falta responder a outra questão: a quem é atribuída aquela frase de acabar com os pobres? Há várias recriações em vários países. Por cá, tem sido usado pelos vários espectros da direita, basta procurar pelas páginas de jornais e pela internet. Atribuem falsamente a frase a Olof Palme que a teria dito a alguém da esquerda portuguesa no pós-revolução. É irónico, não é? Um dos últimos representantes da social-democracia.

O que defendia Palme? A estrita regulação da economia, a função social da propriedade, serviços públicos estatais universais, a taxação progressiva, direitos laborais fortes, a importância dos sindicatos, a divisão de lucros empresariais para trabalhadores. E, pasme-se, defendia até a transferência gradual de propriedade das grandes empresas para os seus trabalhadores, de forma a se tornarem maioritários e ter empresas com gestão operária mais democrática. Aí sim? É assim que se acabam com os pobres? Então, quem apresenta hoje propostas mais próximas desta mundividência?

Nelson Peralta
Sobre o/a autor(a)

Nelson Peralta

Biólogo. Dirigente do Bloco de Esquerda
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