Se o futuro não nascesse, tinha de ser inventado

porBruno Góis

20 de outubro 2022 - 8:53
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É a vida social que determina as ideias que podem ter futuro, e não o contrário. Que propostas temos? De que forma nos organizamos para as alcançar? Garantir serviços básicos universais, salários dignos e uma redução da semana de trabalho são propostas com os pés na terra.

Poucas coisas são naturais na vida. O que é natural nesta sociedade pode não ser natural naquela. O que é natural aqui e agora, pode não ser natural no futuro. Por exemplo, daqui a um número bem determinado de anos é natural que eu não tenha muitos tempo de reforma pela frente. Isto não por causa de uma inevitável falência da Segurança Social, mas simplesmente pela previsível e natural falência do corpo de qualquer homo sapiens.

É incrível como imaginamos natural a fome e a miséria, particularmente quando falamos do mundo fora da Europa e da América do Norte, ou fora de uma linha inventada para a classificação humana por cores. E que dizer de pessoas que acham possível e interessante ter multimilionários a ir passear ao espaço, mas que já veem com muita dificuldade que uma trabalhadora consiga arranjar casa em Lisboa ou que a Área Metropolitana tenha transportes públicos, gratuitos e de qualidade?

Não nos falta capacidade produtiva para poder viver melhor. Digo melhor socialmente e do ponto de vista ambiental. É que, sublinho para os mais distraídos, os homo sapiens não têm planeta B. No último século e meio multiplicamos a capacidade produtiva da indústria e da agricultura, ampliamos o conhecimento científico, desenvolvemos novas artes e aceleramos as viagens de pessoas, de bens e de informação. O problema é o de sempre. Quem se apropria do que se produz? Que interesses governam a forma como se produz? Não é no nascimento de poucos europeus, em particular, ou de muitos humanos, em geral, que está o problema da nossa sustentabilidade social e climática.

O curso natural da história é o curso natural da história feita pelos outros quando não estamos nós a fazê-la. Podemos inventar o futuro, mesmo que não o possamos inventar de qualquer maneira. É a vida social que determina as ideias que podem ter futuro, e não o contrário. Que propostas temos? De que forma nos organizamos para as alcançar? Garantir serviços básicos universais, salários dignos e uma redução da semana de trabalho são propostas com os pés na terra. Desglobalizar a produção e ter critérios sociais e ambientais para o comércio internacional são propostas com os pés na terra. Pés na terra, olhos no horizonte. São as escolhas de um lado.

Bruno Góis
Sobre o/a autor(a)

Bruno Góis

Investigador. Mestre em Relações Internacionais. Doutorando em Antropologia. Ativista do coletivo feminista Por Todas Nós. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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