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Se não é agora que investimos, será quando?

Portugal tem vindo a reduzir o investimento líquido em todo o período do euro. Assim sendo, estamos a reduzir a infraestrutura a cada ano que passa.

Portugal emitiu dívida pública a 10 anos a juro negativo. O mar de liquidez nos mercados financeiros e a proteção do Banco Central Europeu favorecem a descida do custo da dívida, ao ponto de o Estado português ser agora pago pelos credores para lhe emprestarem dinheiro. No entanto, segundo as contas do Expresso, essa vantagem não está a ser utilizada para promover o investimento público, a principal âncora que numa recessão permite criar emprego, na falta de investimento privado, que se retrai. Segundo este jornal, apurando o investimento líquido, ou seja, a diferença entre os gastos públicos anuais e a desvalorização decorrente da degradação dos bens de capital, Portugal tem vindo a reduzir esse valor em todo o período do euro. Este saldo desceu de cerca de 2,5% do PIB em 1999 para um valor atual de 1% negativo. Assim sendo, estamos a reduzir a infraestrutura de Portugal a cada ano que passa.

A dívida é boa, o investimento é melhor

No meio da estagnação destes últimos 10 anos, Paul Krugman, um Prémio Nobel da Economia que não tem medo das palavras, escreveu um artigo com um apelo provocatório, a dívida é boa. A conta não é difícil de fazer: se for bem usado, o momento excecional em que se pode fazer investimentos com juros negativos é uma oportunidade para renovar infraestruturas, criando emprego agora e poupando gastos futuros. Assim, é o momento de construir ou reequipar hospitais e escolas, reparar pontes e desenvolver os caminhos de ferro, ou iniciar a adaptação energética, por exemplo. Depois será mais caro e a perda de tempo é também um preço para a estupidez.

Com o plano aprovado pela administração Biden, os gastos públicos nos EUA em resposta à pandemia elevam-se a 27% do PIB, um valor que mostra a insensatez da restrição europeia

Com o plano aprovado nos primeiros dias da administração Biden, os gastos públicos nos EUA em resposta à pandemia elevam-se a 27% do PIB, um valor que mostra a insensatez da restrição europeia, com uma ‘bazuca’ medíocre e que, aliás, ainda nem está em andamento. O FMI, cujo conservadorismo é lendário e cuja carreira de condenação do investimento público é uma certeza, veio há um par de meses aplaudir esta viragem e mesmo propor uma conta para os benefícios do gasto dos Estados: o efeito multiplicador desse investimento transformaria cada euro do dinheiro público em 2,7 euros de crescimento do PIB.

Um mau ano para a Europa

Entretanto, as previsões do FMI para a evolução económica revelam mais ameaças do que alívio para a Europa. Na sua análise, revelada esta semana, a instituição conclui que a recessão em 2020 terá sido menor do que o que se antecipava, com uma queda do PIB mundial de 3,5%, e não dos previstos 4,4%, em grande parte devido a uma melhor recuperação da China, que foi de 2,3%. Continua a ser a pior recessão dos últimos 75 anos, e a comparação com a de 2009 (menos 0,1% no PIB mundial) é reveladora.

No entanto, a zona euro foi das mais atingidas, com uma queda global de 7,5% (e a Espanha de 11%, o que é relevante para o comércio externo nacional). E, diz o FMI, a recuperação em 2021 será pior do que o previsto, terá que se esperar pelo final de 2022 para voltar aos níveis pré-crise, e, entretanto, as regras europeias apertam, quando deviam ajudar a relançar a economia. Em todo o caso, que se espera para relançar o investimento, financiado por dívida a juro negativo?

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 29 de janeiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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