A SATA e o amigo do mercado - parte II

porAntónio Lima

03 de abril 2023 - 17:05
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Na primeira parte deste artigo fiz uma breve análise ao caderno de encargos da privatização da SATA Internacional, demonstrando que esta é uma privatização amiga do mercado (como todas), mas nada amiga dos Açores. Neste texto abordo o que poderá ser um outro futuro para a SATA.

Recordo que a privatização da SATA Internacional decorre de uma decisão da Comissão Europeia (CE) na qual se determina que a companhia aérea deve ser privatizada em, pelo menos, 51%. O facto da CE defender a privatização não é surpresa. É a receita de sempre das instituições europeias que seguem a agenda de concentração de companhias aéreas em meia dúzia de grandes grupos europeus. Isso para não falar da sua obsessão contra os serviços e empresas públicas.

O que já não deveria ser normal é um governo regional de uma região ultraperiférica (RUP) apoiar a CE e governar contra os interesses da sua região. O governo regional da direita abdicou do Estatuto de Região Ultraperiférica, instituído no artigo 349.º do Tratado da União Europeia, concordando com a sua decisão. Recordo que este Estatuto, omnipresente nos discursos e escasso nas decisões, refere explicitamente que poderão ser criadas medidas específicas para as RUP relativas a “auxílios estatais”. Ora, para salvar a SATA era disso que estávamos a falar, da necessidade imperiosa de existirem auxílios estatais que não tivessem como contrapartida o desmantelamento da empresa.

E para que queremos nós a SATA Internacional? Perguntarão muitos, e com razão. Vejamos: a privatização faz-se num contexto em que a outra companhia aérea pública, a TAP, será privatizada por decisão do governo da república do PS (descubra as diferenças, na prática, entre a direita e o PS). Interessados na TAP há muitos e não é difícil perceber que o foco da TAP privada não será a ligação do território nacional. Se, mesmo enquanto empresa pública - e por decisão política - a TAP pouco fez pelos Açores, quando esta estiver ao serviço da Lufthansa ou da Iberia ainda menos fará.

Os fiéis do mercado dirão que este se encarregará de garantir as ligações dos Açores ao continente e à diáspora. Esquecem-se de dizer que quase todas as ligações aos Açores ao estrageiro são subsidiadas com dinheiro público pela ATA ou agora Visit Azores. O mercado só “funciona” mediante pré-pagamento dos contribuintes. A SATA faz o mesmo, em regra, sem receber um tostão.

As ligações dos Açores ao exterior, sem TAP e sem SATA Internacional, ou com estas nas mãos de interesses que são tudo menos os nossos, ficarão dependentes das estratégias de negócios de quem as comprar. E das companhias low cost. Qualquer uma destas, hoje está cá, amanhã não sabemos.

Sucede que a autonomia tem um braço económico. Privatizar a SATA é abdicar do poder de garantir as nossas ligações aéreas ao exterior para passageiros (incluindo doentes), transporte de carga e correio, assim como o poder de regulação do mercado. Privatizar a SATA é abdicar de uma parte da nossa autonomia. E a direita ficará com esse ónus.

A SATA Internacional presta um conjunto vasto de serviços com e sem obrigações de serviço público (OSPs) que custa muito dinheiro. Todos esses serviços são importantes, alguns fundamentais. Nenhum é subsidiado. Para manter a autonomia que a SATA pública representa será necessário contabilizar e ter em conta esses benefícios que são tidos como garantidos e que podem deixar de estar. A privatização pode significar que teremos que passar a pagar, e muito, por eles.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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