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A SATA e o amigo do mercado - parte I

Neste primeiro texto debruço-me sobre o caderno de encargos da privatização. Um documento que traduz a visão que o governo regional e a direita têm para a SATA e para o futuro da mobilidade nos Açores.

A atribulação política que os Açores viveram na última semana não permitiu ainda o devido escrutínio público de um dos processos mais determinantes para o futuro da região e que teve um desenvolvimento decisivo na última semana: a privatização da SATA Internacional.

Dedico a este tema, no imediato, dois artigos de opinião. Neste primeiro texto debruço-me sobre o caderno de encargos. Um documento que traduz a visão que o governo regional e a direita têm para a SATA e para o futuro da mobilidade nos Açores.

O presidente do governo, José Manuel Bolieiro, ainda antes da publicação do caderno de encargos disse ao que vinha. Afirmou que o caderno de encargos seria “amigo do mercado”.

Conhecido o caderno de encargos, a amizade para com o mercado não poderia ser mais óbvia.

As sete obrigações mínimas do futuro comprador que dizem respeito à sua responsabilidade com a SATA e com a região apenas lá estão para se poder dizer que existe alguma coisa.

Manter postos de trabalho, sede e direção da empresa, rotas entre os Açores e o continente e entre os Açores e América do Norte durante dois anos e meio constituem uma garantia pífia que não tranquiliza ninguém. A obrigação de concorrer às rotas sujeitas a obrigações de serviço público não passa de uma brincadeira pois nem exige que a proposta cumpra o caderno de encargos.

A esperança e confiança que a administração da SATA procura transmitir quanto ao futuro da SATA Internacional esfuma-se quando se lê no caderno de encargos que o certificado de operador aéreo terá de ser mantido apenas durante 3 anos. O certificado de operador aéreo é tão só o que permite que uma empresa seja uma companhia aérea. Sem ele não pode voar. A administração da SATA e o governo regional admitem, portanto, que a privatização poderá levar ao desaparecimento da companhia aérea.

Mas tanto ou mais preocupante é o que o caderno de encargos não diz.

A começar pela questão financeira. A SATA Internacional tem um elevado passivo. Este inclui uma dívida de 285 ME à SATA Air Açores. A ausência de uma resposta clara do governo e da nova presidente da SATA, quando por mim questionados, sobre quem assumirá esse passivo é preocupante. Mas mais preocupante foi ouvir o ainda presidente da SATA, Luís Rodrigues, a afirmar em entrevista na Antena 1 que esse assunto seria alvo de negociação com o comprador.

Concluo dessa afirmação que não sabemos o que estamos a vender, quanto nos pode custar essa “venda” e que será o comprador a decidir que passivo leva. Em última análise a venda da SATA Internacional pode custar à região mais de 285 ME se a dívida da SATA Internacional à SATA Air Açores for suportada pela região. Perante números desta ordem de grandeza, o preço base definido para a venda é quase irrelevante.

Mas outras omissões existem. Como ficam os serviços partilhados entre empresas e quem os passará a pagar? Quem assegurará no futuro o transporte de carga aérea e correio para o continente? E a que custo? Quem assegurará o transporte de doentes, incluindo doentes em maca? A nova empresa privada? Durante 3 anos apenas? E depois? A nada disto o caderno de encargos responde. É um caderno de encargos do amigo Bolieiro para o mercado. Com amor.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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