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Salário mínimo

Não é a primeira vez que Pedro Passos Coelho promete mexer no salário mínimo nacional. A lição que tiramos de todas as outras vezes é que o primeiro ministro promete e depois recua.

Uma das notícias desta semana foi a proposta do governo para o aumento do salário mínimo nacional. Em qualquer parte do mundo, e em particular num país onde a redução de salários rondou os 30% nos últimos anos, esta seria por razões evidentes uma boa notícia.. Mas há alguns senãos, há sempre alguns senãos e não é por má vontade.

Em primeiro lugar, a proposta do governo vem na altura do costume. É sempre assim, as boas notícias são coisa para dizer quando se está em período pré-eleitoral. É a altura das promessas, não há sequer a necessidade de cumpri-las. A história recente é claríssima a esse respeito, em altura de eleições, para quem está no governo, tudo se promete. A questão central aqui é que esta não é a primeira vez que Pedro Passos Coelho promete mexer no salário mínimo nacional. A lição que tiramos de todas as outras vezes é que o primeiro ministro promete e depois recua.

Em segundo lugar, e talvez pela experiência da recente história passada, já ninguém acredita. As duas centrais sindicais recusaram o diálogo sobre esta matéria. Já estão avisadas. Se o primeiro ministro quer discutir esta medida que o faça depois da “saída” da troika, depois das eleições europeias. É que na agenda da Concertação Social o aumento do salário mínimo nunca esteve ausente, só o governo o colocou fora da agenda, tendo mesmo chegado a afirmar que o aumento iria repercutir-se num aumento de desemprego...  O governo tem sido, na prática, o único parceiro do órgão a opor-se à atualização salarial.

Em terceiro lugar, se é para aumentar que o seja de facto. O aumento do salário mínimo nacional tem de ser para um valor de 545 euros, porque é necessário que o que estava acordado seja adaptado aos quatro anos que entretanto passaram, anos de austeridade e de perda de poder de compra. Anos em que a pobreza aumentou e as desigualdades se reforçaram. Um aumento de 15 euros, como promete o governo, é coisa que já devia ter sido aplicada há muito tempo. As medidas de austeridade e de cortes não foram uma ficção, mudaram, e de que maneira, a vida de muitas pessoas. Para Passos Coelho conta o número, para a nossa vida coletiva contam as vidas de cada um e de cada uma.

Por fim, o primeiro ministro nada disse sobre a “compatibilidade” entre o aumento do salário mínimo e as promessas de despedimento coletivo na função pública, precisamente nos sectores onde o salário é mais baixo. Talvez seja mais uma manobra contabilística, daquelas que faz capas de jornal e nada muda nas vidas concretas.

O aumento do salário mínimo é mesmo uma urgência. Não é um aumento “simbólico” de 15 euros, como o aumento de 2 euros nas pensões mínimas de sobrevivência, mas antes um que esteja em linha com as perdas que o governo impôs. Querem ser consequentes? Aumentem o salário mínimo. Reponham o que foi retirado aos salários e às pensões e reformas. Mostrem que as pessoas valem mais do que os mercados. Mesmo com anos de atraso, mostrem que é esse o caminho. Se não é, como parece não ser, deixem de enganar as pessoas.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” em 12 de abril de 2014

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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