Salário Mínimo: Declaração de Passos Coelho é a visão radical da direita

porMariana Aiveca

07 de março 2013 - 15:40
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Mais de um milhão de pessoas sem emprego e sem qualquer subsídio e o primeiro-ministro fica enfadado quanto a oposição pede contas por este descalabro social. Não há melhor exemplo do fanatismo ideológico e insensatez que tomou, decididamente, conta do Governo.

“Quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é [diminuir o salário mínimo]. Foi isso que a Irlanda fez no início do seu programa”. Esta declaração não foi retirada de nenhum comunicado da Juventude do CDS, ou efetuada por um qualquer candidato a uma pequena concelhia do PSD, mas proferida no Parlamento pelo primeiro-ministro.

Que, no contexto da maior crise social que o país conheceu em democracia, o primeiro-ministro venha invocar a sensatez para defender um salário mínimo de miséria diz tudo sobre o fanatismo ideológico que tomou conta deste Governo. Fanatismo ideológico e insensatez, eis o Estado da Governação resumido em duas palavras.

Antecipando-me às vozes de quem aqui vai dizer que estamos a descontextualizar a frase do primeiro-ministro, e poupando o latim aos habituais intérpretes do verdadeiro e único sentido da palavra do primeiro-ministro, vale a pena lembrar as primeiras palavras de Pedro Passos Coelho para a oposição. “Lá estão os senhores a insistir com o desemprego”.

Insistir com o desemprego?, como se fosse um qualquer assunto menor que não é digno da atenção do primeiro-ministro?

Mais de um milhão de pessoas sem emprego e sem qualquer subsídio e o primeiro-ministro fica enfadado quanto a oposição pede contas por este descalabro social. Não há melhor exemplo do fanatismo ideológico e insensatez que tomou, decididamente, conta do Governo.

Não. A defesa de um salário mínimo de miséria não foi um deslize do primeiro-ministro. Não. A defesa que a descida do rendimento do trabalho é um facto de crescimento económico e do emprego, também não foi um deslize. Tem sido esse o único caminho seguido pelo Governo desde que tomou posse: descer os custos do trabalho, diminuir o rendimento disponível das famílias.

Tem sido esta, de resto, a única variável seguida pelo plano de ajustamento que está a destruir a economia do país: desregular as relações laborais, esfrangalhar os custos do trabalho, como se os salários portugueses fossem o empecilho ao crescimento económico do país.

Em 2007, a Juventude do CDS defendeu mesmo, em comunicado, a abolição do salário mínimo. Algumas das pessoas que assinaram esse documento sentam-se agora nas bancadas parlamentares que apoiam o Governo, outras estão em secretarias de Estado.

O que o primeiro-ministro aqui fez, ontem, foi dar voz ao liberalismo radical que encontra eco nas fileiras da direita portuguesa. Mais uma vez, a defesa de um salário mínimo de miséria e a defesa que é preciso descer ainda mais os salários em Portugal não foi um deslize. É a visão radical de uma direita que vê a descida salarial, e a transferência de rendimentos do trabalho para o capital, como o único fator de ajustamento da economia nacional.

A fixação de um salário mínimo "atrasa a economia", diziam então os jovens do CDS. "Este preço mínimo tem dois efeitos muito claros no mercado de trabalho: impedir de trabalhar quem estiver disponível para trabalhar por valor inferior a esse preço". Parece difícil explicar ao primeiro-ministro, e ao CDS, mas o salário mínimo tem um valor ético. Garantir que ninguém que trabalhe não tem os mínimos para subsistir.

Infelizmente, o valor no nosso país é tão baixo que nem esse mínimo garante, mas nem assim o fanatismo ideológico da direita fica sossegado.

Se julgam que estou a carregar nas tintas, vou continuar a ler a posição dos jovens deputados do CDS.

"Não nos assusta o tradicional receio/argumento de que sem o salário mínimo as empresas irão pagar ainda menos”. Salários a 200 euros, ou quem sabe ainda mais baixos, eis o admirável mundo novo, ou o Portugal pós troika, defendido pela direita nacional.

"Acreditamos na liberdade contratual entre empresas e funcionários sem que o Estado imponha um salário". Chega a ser enternecedor ver os disparates em que o CDS e o primeiro-ministro acreditam. Que não lhes falte em fé o que lhes falta em bom senso e conhecimento do país.

Sensatez não é diminuir os salários, mas aumentar o salário mínimo. Se o Governo fica notoriamente enfadado com os avisos da oposição que oiça, então, à sua volta. Oiçam os patrões, do comércio à indústria, que defendem a atualização do salário mínimo. Sem salário não há consumo, sem consumo não há negócio, sem negócio não há empresas, sem empresas não há emprego. Parece simples, mas ninguém convence quem não quer ser convencido.

O salário mínimo é um valor de referência. A diminuição abrupta dos rendimentos das famílias, que tem sido a única política seguida pelo Governo, tem destruído não apenas a condição de vida das pessoas, mas gerado um mar de desempregados.

Ninguém que trabalhe deve viver na pobreza. O trabalho deve garantir a dignidade mínima. Subir o salário mínimo não é um imperativo ético é a própria condição de subsistência da economia. Assim o Governo oiça o país. É uma questão de tempo.

Declaração política a 7 de Março de 2013 sobre as declarações do Primeiro-Ministro sobre o Salário Mínimo

Mariana Aiveca
Sobre o/a autor(a)

Mariana Aiveca

Dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
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