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Romenos, populismo e crise

A vaga ultraliberal que tem invadido a União Europeia não representa apenas uma agudização da linha monetarista. Transporta em si uma estratégia de evidente destruição do modelo social europeu.

A presidência de Sarkozy fala em repatriamento de imigrantes ilegais, mas, na verdade, o que está em causa é a deportação do território francês para o território romeno de populações ciganas. Depois de um século XX em que ocorreram, entre outros, o holocausto dos judeus, o genocídio dos arménios, o massacre de Srebrenika, a memória histórica deveria obrigar a que se considerassem inconcebíveis quaisquer fenómenos xenófobos deste tipo.

Porém, não se trata apenas de um acontecimento miserável e boçal levado a cabo pela UMP francesa, mas sim de mais um sintoma de toda uma patologia de recrudescência dos princípios mais néscios e repugnantes da direita e da extrema direita europeias. Donde, o cerne da questão não é apenas uma manifestação isolada dum racismo encapotado, ao invés, o problema é todo um desnorte de uma Europa que, no vendaval de uma crise imensa, perdeu o norte. Não se recorda de onde veio, nem sabe para onde vai.

Com efeito, a vaga ultraliberal que tem invadido a União Europeia nestes últimos tempos não representa apenas uma agudização da linha monetarista que até agora tem vigorado, mais do que isso, transporta em si, através dos ferozes ajustamentos recessivos que aplica, via redução drástica da despesa estatal e contracção dos salários, uma estratégia de evidente destruição do modelo social europeu. O resultado por ora visto é, para além do fraco desempenho em termos de crescimento económico, o sublinhar de uma crise social tremenda.

Os governos dos países da União Europeia, desde os que se reclamam liberais como a CDU alemã até aos que se afirmam social-liberais como o PASOK grego, tem todos eles, à parte uma ou outra nuance suave, jogado este mesmo jogo. A culpa no cartório das dimensões que assumem hoje as crises económica e social tem rosto nestes mesmos decisores, que optaram por desculpabilizar a excessiva financeirização desregrada da vida económica enquanto responsáveis pelo desencadear do caos económico que se instalou.

É bem mais fácil dizer-se que a culpa é do povo que trabalha, dos pobres, dos mais pobres dentre os pobres, que não são suficientemente produtivos, que não se esforçam o suficiente, que vivem às custas dos impostos dos outros contribuintes. É uma justificação eficaz quando se reduz brutalmente o número de beneficiários do rendimento social de inserção, como faz o PS, ou quando se quer sujeitar os desempregados a prestarem trabalho escravo em troca da manutenção do seu subsídio, como queria fazer o PSD, ou quando se propõe a suspensão imediata do rendimento social de inserção, quando o beneficiário é acusado de um crime, mesmo antes de um julgamento, porque se entende que esses malandros que vivem de uma mesada do Estado são, desde logo, culpados, como fez o CDS. Daí até ao jeito racista dos populismos das direitas mais retrógradas, que encontram em homens como Sarkozy arautos exemplares, que culpam o imigrante, o estrangeiro, o outro, pelo descalabro social em que está mergulhada a Europa dos nossos dias, não vai um trecho assim tão grande.

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