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Respeito, privacidade e a cerca

Exige-se seriedade e respeito pelas pessoas e pela população de Rabo de Peixe. Acima de tudo exige-se que as decisões técnicas sejam fundamentadas, explicadas às pessoas e que os critérios que as fundamentam não se alterem em função daquilo que é a vontade política dos decisores.

A gestão da pandemia nos Açores tem tido momentos distintos, com decisões acertadas, mas também decisões erradas e discriminatórias.

O foco do combate à pandemia tem estado em Rabo de Peixe, vila onde a incidência do vírus é maior. É lógico que se há uma zona onde temos uma elevada concentração de pessoas e onde surgem a maioria dos casos, há que ter uma atuação dirigida a esse local.

Foi isso que se fez em Rabo de Peixe com a instauração de duas cercas sanitárias (a segunda delas ainda em vigor) e de várias testagens em massa.

A testagem em massa, aliás recomendada pela OMS, é uma medida positiva. Por seu turno, a cerca sanitária é uma medida dura de último recurso que tem de ser muito bem justificada. Nesta fase, importa apontar problemas sérios a esta cerca sanitária que se prolonga desde 13 de janeiro.

exige-se que sejam divulgados e transmitidos à população os critérios que levarão ao levantamento da cerca. É insustentável a aparente arbitrariedade na manutenção da cerca, de geografia variável

Em primeiro lugar, exige-se que sejam divulgados e transmitidos à população os critérios que levarão ao levantamento da cerca. É insustentável a aparente arbitrariedade na manutenção da cerca, de geografia variável. No entanto, o que transparece é que periodicamente os critérios são alterados para justificar a manutenção da cerca, como demonstra a alteração dos seus limites, dividindo uma comunidade que se sente uma só.

As autoridades de saúde e o governo regional parecem ter pouca consideração pelo contexto social local e pelas implicações sociais imediatas e a médio e longo prazo das suas decisões. Os novos limites da cerca envolvem essencialmente bairros sociais e a comunidade piscatória e isso tem uma leitura que perdurará no tempo.

Outros erros podem também constituir violações da lei de proteção de dados e do segredo estatístico. A DRS divulgou dados georreferenciados que permitem a identificação das habitações e por consequência das pessoas com Covid-19 em Rabo de Peixe, como forma de justificar os novos limites da cerca sanitária. Esses dados pessoais apenas interessam às autoridades de saúde. Aliás, esta medida vem na senda da divulgação por freguesia do número de casos, que só serve para satisfazer a curiosidade das pessoas e pode permitir, em comunidades pequenas, a identificação dos doentes.

Mas pior que errar é não reconhecer o erro, pois o governo ao ser confrontado com a divulgação da georreferenciação dos doentes, considerou que nada de errado foi feito.

Os erros estenderam-se aos alunos de Rabo de Peixe, como se constata pelo caso que descrevo: os alunos de Rabo de Peixe que estudam fora da vila estavam, até esta semana, impedidos de frequentar a escola. Ao mesmo tempo os professores residentes na vila sempre foram autorizados a deslocarem-se para as escolas fora da vila. Dois pesos e duas medidas, com prejuízo para as crianças.

Tem ainda existido uma tendência securitária e punitiva na comunicação de medidas pelo governo e autoridade de saúde

Tem ainda existido uma tendência securitária e punitiva na comunicação de medidas pelo governo e autoridade de saúde. Desde a ideia veiculada de que há ilhas que se portaram bem e outras que se portaram mal, passando pelo envio de uma força policial forte e visivelmente armada para a vila de Rabo de Peixe quando existia um vazio legal (um erro grave) que, na prática, terminou com a cerca sanitária.

E há afirmações que insultam a inteligência das pessoas, como a que fez o presidente da comissão de acompanhamento da pandemia, quando disse que a cerca sanitária de Rabo de Peixe seria também para proteger a população das novas variantes do vírus. Se assim era, por que motivo se reduziu o perímetro da cerca, “desprotegendo” uma parte da população?

Exige-se seriedade e respeito pelas pessoas, e neste caso pela população de Rabo de Peixe. E acima de tudo exige-se que as decisões técnicas sejam fundamentadas, explicadas às pessoas e que os critérios que as fundamentam não se alterem em função daquilo que é a vontade política dos decisores.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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