República e Democracia

porJosé Joaquim Ferreira dos Santos

03 de fevereiro 2024 - 21:06
PARTILHAR

Entendo que há situações em que é necessário flexibilizar atitudes, tendo sempre presente o principal, que Portugal é uma República que se rege por princípios democráticos e que os seus dirigentes eleitos não podem esquecer esses princípios.

Por definição, as instituições Republicanas, em Democracia, são tudo menos constituídas em círculos fechados ou de acesso discriminado.

A igualdade de todos os cidadãos perante a lei, pedra basilar do Estado Republicano, põe em causa os privilégios das castas familiares e constitui um princípio inviolável.

Outra observância rigorosa é a da laicidade do Estado e a sua clara separação das igrejas.

Nos últimos tempos temos assistido a algumas ocorrências em que estes e outros princípios têm sido postos em causa, umas vezes de forma clara, noutras, utilizando subterfúgios mais ou menos habilidosos.

As constantes cedências à Igreja Católica em questões como a educação, o apoio a idosos e a crianças, à saúde privada, em parte substancial financiada pelo próprio Estado, tendo como base uma Concordata assinada com o Vaticano durante o regime de Salazar e Caetano, ligeiramente retocada após Abril de 74, que tem permitido à Igreja Católica manter uma hegemonia nesses sectores, imunidades fiscais, em concorrência directa com o sector público.

Ora, o Presidente da República quer por simpatias pessoais, quer por tradição, manifesta uma forte atracção por certos cerimoniais mais de cariz monárquico, uma incongruência por parte de um chefe de Estado republicano.

A monarquia, em Portugal, após governar o país ao longo de cerca de 760 anos, caiu, entre pompa e circunstância, completamente apodrecida, em 1910.

Um dos pontos negros do último século de governação monárquica foram as fortíssimas divisões internas desde logo entre absolutistas, apoiantes do príncipe D. Miguel, e liberais, favoráveis a D. Pedro e D. Maria II, o que levou a uma guerra civil fratricida.

A República Portuguesa, com aspirações progressistas foi implementada em 5 de Outubro de 1910 e confrontou-se com um país atrasado, rural, supersticiosamente católico, agarrado a um passado colonial, que não soube aproveitar as riquezas que transferiu para o continente, o que contribuiu para a manutenção de uma economia de dependência externa. Também a República mantem na sua propaganda a defesa do colonialismo e do nacionalismo.

A necessidade de conseguir reconhecimento internacional levou a República a participar na 1ª Guerra Mundial, o que agravou as contradições internas, e irá conduzir ao pronunciamento militar em 28 de Maio de 1926, à ditadura militar, terminando no regime, ditatorial, autoritário, com características fascizantes, do Estado Novo de Salazar.

Foi a aliança entre Salazar e o cardeal Cerejeira, patriarca de Lisboa, quem promoveu uma participação activa da maioria dos membros do clero católico no apoio ao Estado Novo.

Salazar, entre outras coisas, resolveu dar apoio à causa monárquica e ao descendente do absolutista, D. Miguel, Duarte Pio, entregando-lhe os bens da casa de Bragança e permitindo- lhe gozar de prerrogativas de direito bastante questionável.

Também aqui foram privilegiados interesses que visaram uma só família e portanto nada tem a ver com o bem comum.

Nos últimos tempos, o Presidente da Republica esteve presente no casamento da descendente deste monárquico, alegando ser amigo dos pais, como se fosse possível separar os seus actos pessoais da função que no momento exerce, em nome de todos.

Mas a atração de Marcelo por reis, monarquias, selfies e grandes aparatos, já anteriormente se manifestara, nas visitas a monarquias estrangeiras, onde se presta ao papel de súbdito, com beija-mão e tudo.

A mais recente tomada de posição do próprio PR sobre o conflito entre Israel e a Palestina, em frente do representante da Palestina, mostra bem o que pensa e a insensibilidade sobre as questões de elementar justiça, esta já fora demonstrada noutras ocasiões, por exemplo aquando das suas declarações sobre o número de vítimas dos crimes sexuais na igreja católica. Estas posições envergonham-nos a todos, sobretudo vindo do Presidente da República de Portugal. Para não falar do chamado escândalo das gémeas luso-brasileiras …

Entendo que há situações em que, por razões diplomáticas é necessário flexibilizar atitudes, tendo sempre presente o principal, que Portugal é uma República que se rege por princípios democráticos e que os seus dirigentes eleitos não podem esquecer esses princípios. Um deles é que: Todos os cidadãos são iguais em direitos, perante a lei.

José Joaquim Ferreira dos Santos
Sobre o/a autor(a)

José Joaquim Ferreira dos Santos

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
Termos relacionados: