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Relvas: Sem justiça nem perdão

Miguel Relvas foi autor de uma das páginas mais negras na história recente da comunicação social e tornou evidente aos olhos de todos que os mais ferozes ataques à liberdade de expressão podem vir diretamente do centro estratégico do Governo.

Foi um alívio depois de vários meses em que a realidade nos mostrou que, contra tudo e contra todos, todas as provas, escândalos e histórias mais contadas, ele conseguia manter-se no lugar, viciando as evidências.

A demissão de Miguel Relvas, cuja tutela da comunicação social, ficou marcada pela ingerência em vários órgãos, pressões e saneamento de jornalistas, e o maior plano de destruição dos órgãos públicos de comunicação social, fez com que em algumas redações, onde o braço todo-poderoso do Governo estava omnipresente, à revelia das direções, mas várias vezes com aval das administrações, se respirasse um pouco mais fundo. Mas foi pouco.

Relvas foi autor de uma das páginas mais negras na história recente da comunicação social, marcada por cortes profundos no financiamento da RTP, RDP e agência Lusa - que viram o Orçamento do Estado contemplar para este ano um corte de 45,26%, para 65,2 milhões de euros, contra 138,6 milhões de euros recebidos a título de indemnização compensatória em 2012.

Mentor da privatização de um dos canais da RTP, do qual foi um dos principais defensores públicos desde início do mandato, o ex-ministro viu esta ideia abrandar, quando o Governo pôs em marcha o plano de desenvolvimento e redimensionamento da empresa, mas que mantém por base um corte de financiamento em 30 por cento e despedimento massivo de trabalhadores. Ficou por finalizar golpe de misericórdia no sector: um pacote legislativo anunciado em Março passado de mais de duas dezenas de diplomas para “uma reforma na comunicação social em Portugal”, que deixava antever novos constrangimentos na liberdade de imprensa e mais cortes nos recursos disponíveis.

Miguel Relvas tornou evidente aos olhos de todos que os mais ferozes ataques à liberdade de expressão podem vir diretamente do centro estratégico do Governo. Fragilizou e comprometeu com isso a nossa democracia. Por isso este “abandono” não nos pode deixar satisfeitos. O “ministro sobrevivente”, cujo perfil e de práticas diminuem o exercício político e o reduzem a um conjunto de episódios públicos lamentáveis, deixou o lugar. Sem mais. Sem justiça nem pedido de perdão ao país.

E com a cumplicidade de um primeiro-ministro e todo um governo que caucionou a ação de quem nunca deveria ter estado num Governo. Numa palavra, referindo-se ao processo que envolveu a obtenção da licenciatura de Relvas, Nuno Crato caracterizou bem a ação política do ex-colega de governo: um abuso. Eu acrescentaria mais uma que não abona em favor de ninguém e nos deixa um amargo de boca: impunidade.

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Jornalista
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