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Regras para sobreviver a uma comunicação enclausurada no Whatsapp

Não caindo no negacionismo das vantagens que esta forma de comunicação nos proporciona, nem tentando uma doutrina do abandono e do exílio comunicacional, julgo existirem quatro regras que podem ajudar as pessoas e as organizações a melhor lidarem com este totem da comunicação moderna.

O WhatsApp impôs-se e continua a ser o meio primordial de comunicação direta e imediata para largas camadas da população. Foi determinante na definição de eleições, como no Brasil e na Índia, é um instrumento de controle e organização laboral, domina os canais de comunicação íntimos e familiares. Imagine, por um momento, o que seria da sua vida sem acesso ao Whatsapp por uma semana? Sabe dizer quantas vezes acede o seu WhatsApp ao fim de um dia? Imaginamos e tentamos saber, mas não queremos acreditar. Quem não o usa, acaba por procurar sucedâneos, que porventura mais seguros (não é o objeto de discussão neste contributo) seguem-lhe a forma na possibilidade de uma comunicação instantânea, incluindo diversas pessoas num só grupo. Não caindo no negacionismo das vantagens que esta forma de comunicação nos proporciona, nem tentando uma doutrina do abandono e do exílio comunicacional, julgo existirem quatro regras que podem ajudar as pessoas e as organizações a melhor lidarem com este totem da comunicação moderna.

1. O WhatsApp não substitui o bom e velho telefonema

Seja nos grupos, na comunicação direta ou na simples releitura da mensagem enviada ou recebida, o WhatsApp não substitui o bom e velho telefonema. Por esta data, já todos aprendemos a desligar as notificações de receção ou visualização das mensagens. Mas o perigo está precisamente no envio e na fantasmagórica perceção de que o assunto está entregue. Sabemos que não é assim. Na maioria das vezes, desconhecemos ou temos uma ideia enviesada do contexto e do momento do dia em que as pessoas recebem as mensagens. Podem estar alerta e responder de imediato, submersas em trabalho e adiar a leitura, cansadas ou saturadas e ignorar. Quando um assunto é suficientemente importante, o melhor é telefonar e pronunciar os ditongos como deve ser. Ficamos com a certeza que a mensagem passou e não precisamos sofrer com a espera da resposta ou com o medo de uma interpretação errada.

2. O WhatsApp é impraticável para decisões coletivas

Quem nunca abriu um grupo de WhatsApp do coletivo, da associação, do partido ou da família e tem 366 mensagens por ler. A voragem da comunicação por grupos tem este defeito primordial, a vertigem da participação. Uma sugestão de data de reunião que degenera numa conversa sobre o que aconteceu na reunião passada, que dá azo a um desentendimento e a uma nova decisão. Quem chega tarde já perdeu o comboio da discussão e fica atónito a tentar juntar as pistas. Tentar ler é perceber, o WhatsApp é impraticável como instrumento para a tomada de decisões coletivas, pois privilegia quem tem mais tempo e prejudica quem se dedica a outros afazeres. No plano da discussão política, há um perigo maior. Achar-se que, no meio da zonzeira da discussão, se conseguiu marcar o ponto, que quem tem a responsabilidade da decisão leu todas as letras, que o alerta está dado e que o grupo de discussão substitui a reunião ou o contacto direto. Nada mais errado. O WhatsApp é e pode ser muito útil para a partilha de informações, para a troca momentânea de impressões, para acertar detalhes de última hora, para relembrar uma data ou uma ordem de trabalhos. Mais do que isso é assumir o WhatsApp como placebo da discussão e decisão política.

3. Não há segredos. O WhatsApp é uma rede social fechada, mas é uma rede social

Quando usado em forma de grupo alargado, o WhatsApp é, inegavelmente, uma rede social. Mais fechada, mais protegida, mais íntima em alguns casos, mas uma rede social onde expressamos sentimentos, imagens e pensamentos. E por isso mesmo, a falsa sensação de segurança tende a criar o conforto da partilha do privado ou politicamente delicado. Não há nada de errado no desabafo coletivo ou até no escárnio de uma situação em particular, que serve até como bálsamo e socialização ligeira nas organizações. Vá lá, todos sabemos que é melhor reclamar no grupo do coletivo do que na página do facebook. O problema é que não controlamos o alcance ou o público da mensagem enviada. Como rede social que é, a mensagem para o grupo pode ser gravada, guardada e mais tarde usada fora de contexto, extraviada, reivindicada como prova dos nove em discussão futura. Parece uma contradição nos termos, mas o que escrevemos no WhatsApp é mesmo para ser lido. Sem cair em moralismos ou em cartilhas, pois não existe um patamar de igualdade entre quem estabelece este tipo de comunicação, julgo que à esquerda devemos ser aguerridos e comprometidos com as partilhas dos conteúdos produzidos pelas nossas organizações e contidos na profusão de publicações pessoais, mensagens ou estados de alma.

4. Respeitar quem não cai na vertigem

Três situações que já se tornaram um clássico da comunicação enclausurada no WhatsApp. Posso sair de um grupo de WhatsApp no qual já não tenho interesse sem criar mal-estar? Se fulano não responde às mensagens significa que está zangado ou alheado? Posso pedir a um terceiro para interceder e pedir a beltrano para responder? São angústias que todos já partilhamos e que revelam como o WhatsApp se pode tornar numa forma totalitária de comunicação, onde quem não cai na vertigem do seu funcionamento pode acabar excomungado das decisões e relações. Já o sabemos, não há mundos perfeitos e é razoável pedir a alguém com responsabilidades que participe e responda em tempo útil. Devemos, todavia, resistir à tentação do julgamento rápido ou da pressão para a resposta imediata. É normal sair de um grupo, demorar na resposta, passar algum tempo mais dedicado a outras tarefas. E por mais incrível que pareça, ainda há outros meios de nos comunicarmos, onde até o aperto de mão e a retribuição do olhar voltará a fazer parte das nossas vidas.

Não vamos alterar estes comportamentos da noite para o dia, e não é apenas no WhatsApp que se encontra a raiz do mal que domina as nossas formas de comunicação diária. Mas podemos notificar-nos dos limites e respeitá-los.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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