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As regionais em França e as próximas autárquicas em Portugal

Apesar dos efeitos nefastos gerados pela crise pandémica, a extrema-direita não foi capaz de capitalizar com eficácia descontentamentos que foram aparecendo um pouco por todo o lado.

Realizaram-se eleições regionais em França que mostraram uma tendência para perdas da extrema-direita e do agrupamento liderado pelo presidente Macron (em período de queda perda de popularidade), e uma subida acentuada dos Republicanos (partido da direita tradicional) cuja representação maioritária resistiu aos entendimentos entre diferentes forças políticas na segunda volta. Este resultado, que deixa a esquerda e os verdes a alguma distância de qualquer maioria, revela igualmente uma abstenção na casa dos 70%, que é o elemento mais preocupante. Os franceses parecem cansados das peripécias associadas à luta contra a pandemia e aos inúmeros conflitos sociais e políticos que se desenvolveram nos últimos anos no seu país, mas não deram à extrema-direita o privilégio de liderarem a contestação a essas perturbações.

Estes resultados poderiam não ter grande relevância se não fossem acompanhados por algumas tendências idênticas noutros países. Foi o caso de eleições de perfil regional recentemente realizadas na Alemanha e em Espanha, onde se previam subidas acentuadas da extrema-direita, e que acabaram por revelar uma progressão dos partidos da direita tradicional, a CDU/CSU da senhora Merkel, no caso alemão, e o Partido Popular no Estado Espanhol. Isto significa que, apesar dos efeitos nefastos gerados pela crise pandémica, a extrema-direita não foi capaz de capitalizar com eficácia descontentamentos que foram aparecendo um pouco por todo o lado. O mesmo se poderá dizer da vitória de Joe Biden sobre Donald Trump nas eleições americanas, que deixa, para já, destacado, Jair Bolsonaro como a grande referência da liderança radical de direita no mundo.

Regressando à natureza local das eleições, estes resultados mostram também a dificuldade em transpor mecanicamente as intenções de voto reveladas pelas sondagens no plano nacional, antecipando eleições legislativas ou presidenciais, para eleições com um perfil muito mais descentralizado e fragmentado. O valor simbólico do protesto que acompanha, por exemplo, o voto em eleições presidenciais, não tem continuidade em eleições autárquicas, pois estas estão muito mais vinculadas à resolução de problemas de proximidade, concretos das populações e a margem para a chicana política é muito menor (salvaguardando o caso de situações de corrupção comprovadas). Diferentemente do que aconteceu nos anos 30 do século passado, a extrema-direita não conseguiu até agora converter a fratura económica e social exposta por duas crises separadas por poucos anos (2007 e 2020) numa rutura política para reverter as liberdades democráticas e transformar os regimes.

Tudo isto contém ensinamentos úteis para compreender o que pode acontecer nas próximas eleições autárquicas de setembro em Portugal. Apesar de o atual surto de recrudescimento de contágios do vírus Covid – 19, ele não tem nem a magnitude, nem as implicações das vagas anteriores e é pouco provável que haja impactos muito significativos deste fenómeno sobre o nível de abstenção. Aliás, as últimas eleições presidenciais realizaram-se num contexto bastante mais incerto, no momento em que nem sequer existia vacinação contra o Covid – 19, e nem por isso a abstenção condicionou a afluência às urnas. Mas, sobretudo, a progressão limitada da extrema-direita nestas eleições pode exprimir também a dificuldade deste tipo de forças políticas em descobrir causas emblemáticas com capacidade para terem tração na opinião pública.

O Chega de André Ventura, por exemplo, bem como a Iniciativa Liberal, procurou contestar os sucessivos Estados de Emergência e as medidas de confinamento, mas a popularidade desse tipo de agitação política foi reduzida, a generalidade da população portuguesa não se revê nas atitudes de negação da proteção sanitária. Por isso, o que lhes resta é a tentativa de diabolização de certas minorias étnicas, como os ciganos, ou de certos temas transversais como o casamento de pessoas do mesmo sexo, ou ainda o tema da segurança. São, igualmente, assuntos que não mobilizam muitas camadas de eleitores. Resta-lhes a tentativa de aproveitamento do descontentamento que resulta do desemprego e da falta de proteção adequada aos que são atingidos por este flagelo. Sobretudo nas zonas suburbanas, este processo faz-se acompanhar de degradação acentuada de condições de vida à partida muito frágeis. Mas esta não é uma causa com a qual a extrema-direita possa construir fidelidade política, uma vez que a esquerda está na primeira linha deste combate.

Sobre o/a autor(a)

Economista e professor universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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