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A refundação da direita e os caminhos da esquerda

As eleições de outubro poderão ditar um novo mapa partidário e eleitoral português. As mais expressivas modificações aparecerão à Direita, e há muita gente apostada em que isso aconteça.

Parece-me mais ou menos claro que o cenário de refundação da Direita portuguesa passa pela reconfiguração do PSD num ninho de populismo chic, encabeçado por Miguel Morgado, que irá adotar uma agenda radical liberal nos setores como a economia e a saúde, e uma agenda radical conservadora em matéria de costumes. Ora, esse processo não é mais do que uma adaptação, com termos nacionais, do que se passa no Brasil, nos Estados Unidos e um pouco por toda a Europa. O canto da sereia do populismo seduziu a ala radical do PSD que cogita a metamorfose do partido, acreditando no poder eleitoral de uma guinada ideológica, indo ao encontro de conceitos-chave da agenda radical de Direita: combate à ideologia de género (que é, no fundo, a verdadeira ideologia de género por elencar a exclusividade de um modelo social e de afirmação identitária), defesa da família tradicional, políticas anti-imigração, entre outras.

Em segundo lugar, a Aliança de Pedro Santana Lopes está apostada em que a morte simbólica do PSD ocorra, de modo a ocupar esse espaço que, hipotética ou eventualmente, ficará esvaziado ao centro-direita. Isto sabendo que o CDS, historicamente, anda a reboque eleitoral do PSD, crescendo quando aquele cresce, caindo quando aquele cai. Ademais, a onda de entusiasmo de Assunção Cristas desvaneceu com os resultados das Europeias, reconduzindo o partido a uma reflexão, depois de ter falhado o modelo combativo e a tentativa de dobrar todas as esquinas ideológicas. Ora, se o eleitorado do CDS é mais ou menos estável, arreigado aos seus valores conservadores tradicionalistas: Deus, Pátria e Família, a tentativa de captar eleitores em todas as frentes tornou o partido excessivamente volátil ideologicamente, não agradando ao seu eleitorado habitual nem convencendo outras franjas sociais.

Este cenário traz um problema sério ao panorama partidário português, assumindo que a Aliança não conseguirá crescer tanto quanto julga possível, o CDS perdeu a ilusão de ocupar o terreno do PSD, e o PSD poderá ser conduzido para fora das suas próprias fronteiras ideológicas. Esta morte simbólica do PSD esvazia o centro-direita, abrindo espaço para a chegada em força dos movimentos populistas. Se tal acontecer, e olhando o cenário europeu esta hipótese não é, de todo, de descartar, a Democracia portuguesa está em risco, isto porque tais movimentos não são, como visto, particularmente dados ao princípio basilar da Democracia que é o respeito e a salvaguarda da diversidade.

 

E o que fará a Esquerda com isto? Enquanto o PS souber ocupar o espaço ao centro-esquerda e ao centro-direita, adotando medidas de um lado e de outro, o eleitorado volátil continuará fiel ao “princípio Centeno”, i.e., o “das contas certas”. O problema é que as crises económicas são cíclicas e os efeitos das políticas europeias tendem a desvalorizar os cenários particulares dos Estados-membros. A sobrevivência quer do PS quer da “geringonça” residirá na forma como lidarão com tais cenários internacionais. O eleitorado da CDU, por seu turno, sendo o mais fiel, continuará a exigir que a “luta de classes” se trave, ainda que em parte tal luta exista somente no imaginário social do partido. Por fim, o Bloco de Esquerda será, porventura, o partido sob maior escrutínio, uma vez que será, também, aquele que poderá cimentar uma posição de relevo no novo mapa partidário português. Nesse cenário, é expectável que o Bloco de Esquerda seja capaz de negociar para fora da sua agenda, apresentando uma capacidade de flexibilização que aparecerá, junto do eleitorado, como sinal de maturação do partido, comprometido com a estabilidade do país ao mesmo tempo fiel à sua política de defesa das minorias e da diversidade. Este exercício de equilibrar agenda de esquerda em defesa da integração, do empoderamento, da diversidade, com políticas de controlo orçamental e respeito pelas diretivas europeias, é exigente, mas não impossível, como sabemos. Ao mesmo tempo, o grande desafio, a longo-prazo, do Bloco de Esquerda é o de conquistar eleitorado fora das principais áreas urbanas. Na maioria das áreas rurais a presença do Bloco de Esquerda é inexistente ou praticamente inexpressiva, visto como um partido dos jovens urbanos, da defesa dos “ciganos”, dos “negros” e dos “gays”. Em muitos lugares, a esta imagem junta-se a de um partido anticlerical e anti valores tradicionais, como as touradas. Ora, numa altura em que o apelo nostálgico dos nacionalismos e da agenda de extrema-direita, uma esquerda saudável e forte é mais do que necessária, é essencial para a sobrevivência da democracia. E o mesmo precisa ser dito do centro-direita.

Sobre o/a autor(a)

Doutorado em Estudos Africanos pelo ISCTE-IUL. Mestre em História e Cultura das Religiões pela FLUL. Investigador Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL.
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