A Superliga, agora um nado-morto de 12 usurpadores, acabou em ejaculação precoce após uma muito acarinhada e longa gestação nos bastidores do futebol europeu. Nasceu pela ambição de alguns mas, a partir de determinada altura, amadureceu aos olhos de todos. Desde 2018, o Football Leaks de Rui Pinto revelava toda a operação: os mesmos clubes, os mesmos nomes, os mesmos investidores, o mesmo modelo. O facto de terem escolhido o momento da pandemia para anúncio da nova competição, é bem revelador do sangue-frio das baratas. No momento em que mais se exigia solidariedade, união e contenção ao mundo do futebol (como bem salientou Rummenigge, CEO do Bayern Munique), a Superliga europeia só é abortada porque a pressão dos adeptos ingleses deixou bem claro que uma competição fechada com este tipo de ADN, até pode ter sucesso no mercado asiático mas não convence a maioria dos amantes europeus do futebol. Mais do que uma questão de princípios, uma questão de raízes.
Uma aberração genética, sem escrúpulos, criada por 12 monarquias de linhagem financeira, violando todos os princípios que fizeram do futebol um desposto de massas na Europa e na América Latina. Um modelo competitivo inaceitável para o adepto que, embora habituado a ver o dinheiro (e não o sonho) a comandar o futebol há décadas, ainda não está preparado para o jogar em plena selva. Um sistema monárquico, onde 15 clubes se eternizavam à mesa, sem noção de representatividade, mérito, promoção ou despromoção, largando cinco convites anuais a outros clubes, convidados então a apanhar os restos durante um ano, para depois contar como foi.
A revolta e repulsa dos adeptos nasce da génese do futebol porque esta Superliga era uma aberração genética. Os adeptos não querem uma competição fechada entre "sheiks" árabes, americanos do "soccer" ou milionários "offshore", mesmo que isso pudesse elevar o seu clube a um patamar de imbatibilidade eterna. E este é um grau de romantismo inexcedível. Os adeptos provaram que até podem querer ganhar com um penálti forjado ou um fora de jogo mal medido, mas só admitem vencer num sistema onde reconheçam o adversário como parte do seu código genético. Recusar a invencibilidade em nome dos princípios, a maior lição que os adeptos deram a alguns dirigentes. Fixem os nomes: Florentino, Laporta, Abramovich, Agneli, Scaroni, Torres, Werner, Levy, Al Nahyan, Woodward, Kroenke e Zhang. Os verdadeiros adeptos do futebol devem ter estes nomes na memória, do lado oposto da força onde guardam Cruiff, Maradona, Messi ou Ronaldo. Porventura, será em nome dos seus adeptos que os 12 clubes evitarão sanções da UEFA. Mas nada justifica que os algozes permaneçam. Demitam-se, vendam as participações, saiam dos clubes. Publicamente, já venderam a alma. Retirem-se, sem mais consequências mas com conclusões.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 23 de abril de 2021