Rebeldes nos terão

porJoana Mortágua

26 de janeiro 2013 - 23:54
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Tudo o que nos foi tirado, terá de ser reconquistado, até essa ideia estapafúrdia de que a trabalho permanente deve corresponder um contrato permanente. Foi isso que milhares de precários quiseram fazer com a Iniciativa Legislativa de Cidadãos.

A apresentação da Iniciativa Legislativa de Cidadãos que reuniu mais de 40 mil assinaturas contra a precariedade laboral tinha tudo para fazer História no terceiro país mais precário da Europa... Não fosse a direita insistir em querer fazê-la passar à História. Para a maioria troikista o lugar dos direitos é num expositor bem trancado no museu da era pré-austeritária… a ganhar pó.

“Não há nada de errado com a lei atual, o que falta é fiscalização”, diz a maioria para não aprovar a Lei contra a Precariedade.

Ora vejamos. A lei atual que regula o trabalho temporário e o trabalho a prazo é o Código de Trabalho, que nestas matérias tem mais buracos do que um queijo suíço. Por esses buracos caem todos os dias os direitos de milhares de trabalhadores. Nesses buracos afundam-se as vidas de mais de um milhão de precários em Portugal.

A lei que existe não proíbe que um posto de trabalho desocupado por despedimento coletivo seja ocupado por um temporário; não impede os inúmeros casos em que ao salário mínimo (quando chega a tanto) não se acrescenta um cêntimo por horas extraordinárias ou trabalho em dia feriado.

A lei deles permite que 56% dos jovens e mais de 20% dos adultos trabalhem a prazo; não impede que 9 em 10 novos empregos sejam precários; a lei deles não só não proíbe como faz gala de que em caso de primeiro emprego uma função permanente possa ser preenchida por um vínculo precário.

A lei que “nada tem de errado” promove as empresas de trabalho temporário que lucram milhões como donas de escravos com os seus contratos de 3 meses (em média) e os seus salários 30% abaixo da média nacional; e nada faz perante a evidência de ilegalidade na utilização de recibos verdes.

“Mas o trabalho a prazo é promoção do emprego”, e “os direitos impedem o empreendedorismo” tentam ainda argumentar nas bancadas do PSD e do CDS.

Nada mais falso. O trabalho a prazo é uma via verde para o desemprego. Quem o prova é o próprio Governo, que em Novembro anunciou o despedimento de 50% dos trabalhadores a prazo no Estado. E o único empreendedorismo possível numa economia desfeita é a emigração em massa.

Nenhuma desculpa é esfarrapada demais para esta maioria. A verdade, e essa está aos olhos de todos, é que para eles os direitos são excessos do passado, opulentos luxos que devem se banidos. Em nome de quê? Esqueçam lá a guerra de gerações com que tentaram jogar filhos contra pais, como se os direitos de uns fossem razão para a precariedade de outros.

Esqueçam o argumento de que a precariedade é apenas a solução de recurso enquanto a crise dura.

Se há coisa que aprendemos é que não há direitos apenas "suspensos" à espera de dias melhores. O que nos foi tirado não será devolvido... Já está empacotado a dar milhões aos ditos "mercados" e a patrões insaciáveis.

Tudo o que nos foi tirado, terá de ser reconquistado, até essa ideia estapafúrdia de que a trabalho permanente deve corresponder um contrato permanente.

Foi isso que milhares de precários quiseram fazer com a Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Reconquistar o direito a ter vida. E mesmo que não tenhamos ganho já, foi feita história.

Joana Mortágua
Sobre o/a autor(a)

Joana Mortágua

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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