Está aqui

Racismo e um parque pop

No momento em que alguns comemoram o mal menor na Alemanha que permite sustentar Ângela Merkel no poder, Portugal conta a quem passa a ladainha mentirosa de que não é um país racista.

A história fúnebre da Europa, perto de se repetir aos nossos olhos. No momento em que alguns comemoram o mal menor na Alemanha que permite - fruto do acordo entre a chanceler alemã e o seu ministro do Interior - sustentar Ângela Merkel no poder, Portugal conta a quem passa a ladainha mentirosa de que não é um país racista. Quando muito, diferenciador. Tão diverso como o que se mostrou ser na agressão bárbara a uma jovem colombiana por um fiscal da STCP na noite de S. João no Porto. O estigma reside nessa diferença de pormenor que permite fechar os olhos a três campos de internamento ao ar livre para refugiados, autorizados por Merkel à força de querer evitar uma crise política interna que podia arrastar a Alemanha para onde rasteja parte da Europa. Eis a barbárie da radicalização que se vive pela ascensão ao poder da extrema-direita. Pela fraqueza das soluções de todo o espectro político, a Europa rende-se à réplica dos piores momentos da história do século XX e vamos todos fingindo que é uma atitude isolada de um fiscal numa viagem. Fragilidade, temor e vergonha.

Fechando os olhos, divertimento e rotinas diárias, a vida a correr costumeira. Os emigrantes portugueses em New Jersey passaram boa parte do seu tempo de ócio no "Palace Amusements", parque de diversões com 100 anos de história, onde gerações estacionaram os seus veículos perto do passadiço de Asbury Park, gozando alucinação e delírio com bilhete familiar. Mas a vida de emigração não é igual para todos na relação luso-americana. Três décadas exactas depois do encerramento do parque americano, um Palácio português serve uma só rainha pop, sendo a populaça a que sofre com a portagem. O campo de concentração para veículos de Madonna avança em Lisboa, sito nas traseiras do Palácio Pombal, propriedade da Autarquia lisboeta. Um terreno público em saldo, sim.

Nada disto seria grave se não fosse ultrajante para milhares de pessoas, lisboetas na sua esmagadora maioria, que tentam estacionar na zona de Santos, um inferno bíblico-alfacinha de enormes proporções. Sem auscultar nada nem ninguém, a decisão em velocidade vertigem de Fernando Medina fez contrato no Palácio perto do Palacete onde a artista vive. Não é uma visita, ela vive: Lisboa, a província de Madonna. E há quem, à sombra da árvore do turismo, ache normal que um município escorregue nesta casca de banana. O que agora resta do parque de diversões de Asbury Park é um sombrio museu online. Sem tráfego mas onde ninguém aparca. Só fragilidade.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 4 de julho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
(...)