O alerta é dado pelo psicólogo Eduardo Sá numa das últimas edições da revista “Visão” e, à luz dos mais recentes acontecimentos, é mesmo para levar a sério.
Independentemente da veracidade do caso da criança nepalesa, alegadamente agredida – física e verbalmente - com ofensas racistas e xenófobas, numa escola de Lisboa, importa atentar às caixas de comentários que a notícia suscitou.
A verdade é que se instalou uma crença de que ofender e discriminar pessoas de nacionalidade estrangeira, sobretudo de países africanos e asiáticos, é normal e aceitável. E as crianças começam a pensar o mesmo, porque é o que ouvem em casa, à mesa do jantar, na TV ou nos passeios de fim-de-semana.
E basta perder alguns minutos pelas centenas de comentários que, na altura, a notícia do menino nepalês suscitou para ver como o discurso de ódio está disseminado pelo país. Já não é uma coisa lá longe, em Inglaterra, no Brasil, em Itália ou em França. Está aqui, sente-se nas ruas, nas filas do supermercado, no trânsito, nos transportes públicos.
Na génese do ódio e da intolerância
É aqui que entra uma outra notícia já com algumas semanas: a do espancamento de imigrantes dentro das suas casas, num bairro do Porto. Se a estas duas notícias, juntarmos a triste decisão do presidente da Assembleia da República, José Aguiar-Branco, de aceitar afirmações declaradamente racistas no Parlamento, temos via verde para a normalização da xenofobia e da discriminação.
Basta alguma atenção para reparar que o discurso de ódio – ao estrangeiro, ao diferente, ao que não pensa da mesma forma - propagado no país e amplificado nas redes sociais está hoje na rua, em casa e em todo o lado.
Alicerçado na criação de uma falsa sensação de insegurança – assim o ditam as estatísticas oficiais - que terá como génese os imigrantes, vai passando de pais para filhos, de avós para netos e de patrões para empregados, como uma epidemia sem travão.
Não se trata propriamente de uma novidade. Já o vimos em diversas latitudes, numas mais, noutras menos polido. Mas, a estratégia é a mesma. Só que agora está no nosso dia-a-dia, na agenda mediática e nos cafés.
As consequências estão à vista de todos, seja aqui em Portugal, seja na Argentina, onde três mulheres foram barbaramente queimadas vivas quando um homem decidiu atear fogo ao quarto onde dormiam. Por ódio, por intolerância, por serem diferentes.
É sempre mais fácil culpar os mais fracos, os que, por medo, se escondem, por receio, não ripostam nem denunciam. É por isso que o discurso vai ganhando adeptos dia após dia. Subitamente, todos os problemas do país se resumem à imigração, da falta de casas aos ordenados, da precariedade à saúde ou à justiça. E até à Educação.
Os culpados são os de sempre: os imigrantes, os que, por alguma razão, são diferentes, saem da norma, os estrangeiros, os desconhecidos.
Muito à imagem do que Hitler fez com grande sucesso para granjear o apoio do povo alemão à deportação em massa e ao extermínio de judeus a partir de 1933, ano em que subiu ao poder, uma estratégia que culminaria na tristemente famosa Noite de Cristal, de 9 para 10 de novembro de 1938. Com os resultados conhecidos. E sim, a História repete-se mesmo.
O que podem as escolas fazer?
Limitar ou até mesmo eliminar disciplinas como a de Cidadania e Desenvolvimento é abrir caminho para a disseminação total do discurso do ódio, da intolerância, da discriminação, do racismo e da xenofobia. Porque o maior antídoto para esta epidemia está nas escolas, nas salas de aula e nos livros.
É por isso que é tão importante mantê-la e, tanto quanto possível, tentar, naquelas aulas, promover a inclusão, a empatia, o respeito pelo próximo, pela diversidade.
Tanto quanto explicar nas aulas de História, nas de Inglês ou nas de Geografia, em que o percurso da sociedade global é, de alguma forma, abordado, o porquê do racismo e da xenofobia, as suas origens e, sobretudo, as suas consequências.
É também por isso que são importantes disciplinas como a Filosofia, a Sociologia ou a Antropologia que, embora, não sejam o que o “mercado” quer, são essenciais para a formação de consciências saudáveis, de pessoas livres e informadas, da ideia de uma sociedade fraterna e empática.
Mais do que ensinar para a entrada na faculdade ou para os exames nacionais, importa educar para a cidadania. Mas, para isso, urge uma revisão curricular há muito adiada, que ensine a pensar pela própria cabeça e a viver em harmonia com o outro.
Está na altura de deixar que o mercado dite o que devemos ou não ensinar às nossas crianças, o que tem ou não “futuro” ou o que gera “empregabilidade”. Porque podemos estar a criar excelentes profissionais, mas seres humanos execráveis.
Estamos numa encruzilhada. Diante de nós agiganta-se a tempestade perfeita: de um lado o “mercado”, que tudo pode, tudo manda e a quem todos – incluindo a Escola – devem subordinar o seu propósito. Do outro, uma “epidemia” que alastra rapidamente, injetando sentimentos de ódio e intolerância nos nossos filhos. Temos escolha, teremos coragem de a fazer?
