É a tendência do momento no maravilhoso mundo empreendedor cá do burgo. Chama-se “salário emocional” e tem como objetivo encontrar alternativas que permitam evitar que os “colaboradores” reivindiquem o aumento dos seus já esmifrados salários líquidos mensais.
Mas, é uma coisa elaborada, basta atentar no detalhe. Não deixa de ser interessante como o mundo liberal é engenhoso na hora de encontrar formas de compensar os funcionários das empresas com tudo e um par de botas que não seja dinheiro ao fim do mês. Tudo para o bem de quem trabalha, claro está.
É uma sorte trabalhar, perdão, colaborar, numa destas empresas em que os patrões, perdão, os CEOs, se preocupam tanto com o bem-estar de quem produz. Afinal, como diria o saudoso Nuno Carvalho, CEO da “Padaria Portuguesa”, que se celebrizou ao difundir os maravilhosos benefícios deste salário, serão os próprios funcionários quem prefere estes “aumentos emocionais”.
Não é por acaso que um estudo recente da Randstad (quem mais?) indica que uma das tendências mais fortes na gestão de recursos humanos para 2024 é – surpresa! – o “salário emocional”.
Trata-se, segundo o estudo da Randstad, divulgado na revista “Líder”, de uma das nove tendências na área de recursos humanos para o próximo ano. Curiosamente, de acordo com o mesmo estudo, a geração dos chamados “baby boomers” – por sinal, a do humilde escriba que vos deixa estas linhas – é a que, e passo a citar, dá “um menor valor subjetivo a todos os benefícios que fazem parte do salário emocional”.
Ao contrário de outras, como a dos Millennials e a geração Z, mais jovens e que “valorizam mais a flexibilidade no trabalho”. Bom, mas antes de mais, vamos lá explicar a quem está por fora destas modernas tendências laborais, o que é concretamente o “salário emocional”.
Pagar o supermercado com uma tarde de sexta-feira, porque não?
Trata-se, segundo a revista Líder, de “uma parte da remuneração relacionada com benefícios psicológicos e emocionais. Cada profissional atribui um valor subjetivo ao salário emocional, com base nas suas próprias referências, necessidades e contexto pessoal”. Esclarecidos?
Vamos ler mais um pouco então: “A análise refere que a conclusão é que priorizar o salário emocional e o reconhecimento das diferenças na sua valorização é fulcral num contexto como o atual.”
Bom, mas vamos lá concretizar a coisa em números, já que o estudo da Ranstad analisou o valor médio monetário das várias componentes do “salário emocional”. Esta “pesquisa” concluiu então que “o benefício com maior valor médio subjetivo atribuído por todas as gerações de profissionais foi ter quatro dias de trabalho por semana (167 euros), seguido da sexta-feira à tarde livre (151 euros), do horário flexível (149 euros) e do teletrabalho (139 euros)”.
Nunca pensou pagar a renda com uma tarde de sexta-feira? E ir ao supermercado com dois dias de teletrabalho?
Será que somos mesmo improdutivos?
Pois é, talvez quando se apregoe aos sete ventos que a culpa dos baixos (baixíssimos) salários em Portugal é da falta de produtividade, se deva pensar que – talvez, porventura – possa ser porque os patrões não querem (e podem) pagar mais, não será justo?
Bom, como não há estudos que comprovem esta teoria, ao contrário do que acontece com estas modernas “tendências”, talvez possamos, pelo menos, questionar porque é a geração mais velha a que menos aceita retribuições “emocionais”. Será porque é a que pensa que o trabalho deve ser justamente recompensado com um salário equivalente?
Será que é aquela geração que foi menos vítima da atomização laboral e ainda tem alguma consciência de classe? Ou aquela que acha justo receber um salário, com direito a subsídio de refeição, de transporte, de férias e de Natal?
Para os mais novos, que nasceram no meio de todo este ecossistema neoliberal, que saiu acentuado da pandemia, será normal receber em “tardes de sextas-feiras”, “teletrabalho” ou “quatro dias de trabalho”, até porque, no caso dos mais novos, até o próprio subsídio de Natal é diluído nos vencimentos mensais.
Talvez seja esse fator que faz com que as novas gerações também achem normal “tendências” como partilhar a casa, o quarto ou até a cama ou viver com os pais até aos 40 anos.
Flexibilidade laboral para quem?
Só que toda esta “flexibilidade” não passa de atirar areia para os olhos das gerações mais qualificadas de sempre no país. Dar a tarde de sexta-feira pode ser ótimo para uma empresa se o “colaborador”, ao abrigo da política da flexibilidade, estiver na quinta-feira anterior, a trabalhar até às três da manhã.
O mesmo se aplica à semana dos quatro dias, quando três deles têm doze horas de trabalho ou mais. Ou o salário é diminuído em proporção. Até o próprio teletrabalho, que se difundiu durante a pandemia, é utilizado como justificação para pagar salários mais baixos, uma vez que, supostamente, corta os custos dos trabalhadores com deslocações ou refeições. Como se não permitisse também às empresas reduzir enormemente os seus custos operacionais.
E a este “salário emocional” somam-se outras iniciativas que vão fazendo parte de todo este “ecossistema libertador”, como o grupo de WhatsApp da empresa, os eventos de “team building”, o dia da empresa, e tantas outras iniciativas que não permitem nunca que um funcionário se desligue da “grande família” onde trabalha. Tudo, em nome, de um novo conceito muito querido na área de recursos humanos e gestão moderna: a “felicidade na empresa”.
Mas a ladainha liberal vai passando, vai ganhando adeptos e sendo repetida até à exaustão – em estudos, pesquisas, artigos de opinião -, fazendo parte deste “novo normal” que o establishment empresarial quer implantar de forma definitiva. Talvez a culpa dos salários baixos não seja da falta de produtividade, seja do que os CEOs acham que é melhor para os seus colaboradores.
