Há notícias que nos chocam pelo conteúdo que nos transmitem, geralmente de realidades e contextos que não os nossos, de locais distantes e que não frequentamos com regularidade, seja pela distância, seja pelos nossos hábitos. Acerca dessas notícias, e como humanos que somos, conversamos, opinamos e afirmamos o que faríamos caso fosse connosco.
No passado mês de outubro foi noticiado, pela comunicação social regional, que os trabalhadores do comércio e grande distribuição se tinham manifestado fora da Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo (CCAH).
Em uníssono, aquelas pessoas, que aquando da pandemia também estiveram na denominada “linha da frente”, não permitindo que nos faltasse nada e, que muitas vezes, nos faziam chegar bens essenciais à porta de casa, pediam justiça laboral.
Estas mesmas pessoas que permitiram manter e aumentar os lucros de algumas superfícies comerciais, veem-se agora, na iminência da perda dos seus direitos.
As e os trabalhadores do comércio e grande distribuição saíram à rua, reivindicando o básico: condições de trabalho e de remuneração dignas, nomeadamente, um horário de trabalho de 40 horas – como a maioria dos restantes trabalhadores do sector privado – e aumentos salariais de aproximadamente dez euros por cada nível remuneratório.
Cerca de 100 trabalhadores de diferentes empresas que se juntaram e fizeram ouvir as suas vozes para demonstrar repúdio e indignação perante aquela que é a proposta da Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo – que representa os empresários das ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa – que pretende impor um horário de trabalho de 60 horas semanais e um regime de transferência entre estabelecimentos comerciais sem que isso implique qualquer contrapartida financeira para os trabalhadores.
Ou seja, estas pessoas podem passar a ter que trabalhar 12 horas por dia de forma consecutiva até ao limite anual de 200 horas e podem passar a ser transferidos de estabelecimento comercial de forma definitiva ou temporária, para qualquer local dentro de cada ilha, por decisão unilateral da empresa, tudo isto sem qualquer compensação financeira. Exemplificando, um trabalhador que se encontra no Topo, pode ser obrigado a se apresentar nas Velas, em São Jorge, sem que possa dizer “desculpe, mas não posso. Já tenho a minha vida familiar organizada.”.
Ou seja, a disponibilidade total, abdicando das suas famílias, da sua saúde física e mental, do seu tempo de lazer. Vivendo para a empresa que lhes paga o ordenado mínimo.
Outra das intenções da CCAH é desrespeitar legislação laboral aprovada no parlamento regional, que reduziu para 90 dias o período experimental para trabalhadores que estejam à procura de primeiro emprego e para desempregados de longa duração. Querem aumentar para 180 dias o período experimental para estas e estes trabalhadores. Assim, poderão simplesmente despedir ao fim de 6 meses, como se de objetos se tratasse.
E é importante também salientar que nos últimos meses, perante uma inflação galopante, o sector do comércio a retalho registou grandes aumentos de vendas e de lucros em comparação com o ano passado.
É inaceitável que, numa altura em que os resultados financeiros do sector são positivos, a proposta dos representantes dos empresários para alcançar um acordo coletivo de trabalho seja penalizadora para estas pessoas, particularmente num sector marcado por horários de trabalho muito exigentes, com prejuízo para a vida familiar, e em que o salário mínimo continua, infelizmente, a ser a regra.
Há dias diziam-me que estamos no século XXI, com ordenados do século XX e com um retrocesso em direitos laborais equivalente ao século XIX. Não faltará muito para que um prato de sopa justifique 12 horas de jorna, em que o trabalho será dignificante por si só e não pelas consequências na vida das pessoas.
Nos últimos anos evita-se falar de luta de classes, subestimam-se os sindicatos e tratam-se os trabalhadores por colaboradores. Tudo isto tem uma razão. E o contrato coletivo de trabalho que a CCAH pretende implementar é a razão. Não às negociações. Exigir mais e pagar menos. Mais lucros, menos encargos.
Toda a minha solidariedade com estas e estes trabalhadores! Junto a minha à vossa voz!
DIGNIDADE!