Há já 15 anos, Eduardo Galeano escrevia: “A chamada comunidade internacional existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros?”
Ainda assim, hoje, quando somos confrontados com a exibição obscena de Trump e dos oligarcas digitais, sentimos que estamos a ser empurrados para uma nova ordem mundial. Trump inaugura o tempo em que explicitamente se negoceia territórios e povos. Na Ucrânia e por todo o mundo. Tudo tem um preço e as pessoas são meros artigos dispensáveis num contrato entre bilionários. Mas este caminho não começou agora. Galeano tinha razão.
Na cumplicidade com o genocídio em Gaza, o que esperavam a administração Biden e a União Europeia que fossem os planos de Netanyahu? O que esperavam que fossem os planos dos generais e ministros israelitas que se gabam das piores crueldades contra o povo palestiniano no horário nobre da televisão? Não foi sempre este o plano? E os tanques israelitas estão a entrar também na Cisjordânia.
Afinal, os valores europeus são o quê? Quando os acordos comerciais da União Europeia financiam a guerra no Congo, quando se distribuem os negócios de reconstrução da Ucrânia, quando se externalizam fronteiras, o que tem feito a UE? Os offshores de direitos humanos e direito internacional são pagos em euros.
É por isso que hoje, como sempre, quando nos perguntam quem nos protegerá, se Trump ou Putin, se a NATO ou as armas nucleares de Macron e Le Pen ou um exército europeu, diremos, como sempre dissemos: nenhum deles. Quem só faz a guerra não nos trará a paz.
A nossa esperança, a nossa força, reside noutro campo. Reside numa comunidade internacional, sim, mas não de mercadores, banqueiros e guerreiros. Reside no povo. Sabemos que a Paz, uma paz verdadeira e duradoura, não nascerá de um acordo sobre terras raras, tal como não surgirá da ocupação ou colonização, por muito colorida que a IA a pinte.
Os fascistas e oligarcas fazem voz grossa e garantem que paz é o que eles estão a fazer sobre as ruínas do direito internacional. Querem assustar o mundo para impor o seu caminho como o único possível. Por estes dias, Trump e Putin debatem como dividir o Ártico. O seu futuro é todo guerra e fóssil. O seu futuro é morte. Mas o futuro não lhes pertence. E nós não nos deixaremos amedrontar.
Este é o tempo de lutar, de nos organizarmos e nos fazermos ouvir. O direito internacional não é o que serve o lado mais forte no negócio do momento. É a autodeterminação dos povos, é a Paz, são os direitos humanos. E aqui está a nossa resistência.
Inspiram-nos a coragem extraordinária que vemos na Palestina, no Curdistão, no Sahara e também na Ucrânia. A coragem de todos os povos que, por todo o mundo, lutam pela Paz.
A coragem que vemos nas ocupações das faculdades em nome da solidariedade com Gaza, em que se manifesta pelo clima, em quem não fica parado perante a violência racista e misógina e homofóbica, em quem se opõe aos despejos, em quem exerce a empatia com a firmeza e determinação que estes tempos nos exigem.
É assim a esquerda. Somos do povo. Sabemos, como canta a Patty Smith, que o povo pode virar o mundo ao contrário. O povo, sim, tem o poder. O poder de sonhar, de governar. E, claro, de fazer a paz.
Texto da intervenção na 4° Conferência de Paz, orgaizada pelo Podemos em Madrid. 28 de fevereiro de 2025.
