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Quem respeita os professores?

Espera-se que um docente de Braga vá fazer uma substituição a Santiago do Cacém por pouco mais de 700 euros e com prejuízo para a sua carreira contributiva? O pior é que sim.

Estamos no final do primeiro período e há muito que acabou a tolerância com alguma desorganização eventualmente justificada pelo início do ano letivo. Estamos em dezembro e há alunos sem aulas porque há escolas sem professores. Matemática, Geografia, Inglês e TIC são algumas das disciplinas mais afetadas mas as dificuldades nas substituições são constantes e transversais.

Não há dúvida de que o problema existe e é assustador, porque é estrutural. Essa é a primeira ideia a reter para começar a discutir soluções, só ganhamos em manter distância das propostas milagrosas de quem nunca defendeu a Escola Pública. No caso do PSD isso é gritante, não há forma de reconhecer credibilidade sobre a falta de professores em dezembro a quem, em julho, afirmava que temos professores a mais.

Essa é uma das explicações para o estado a que chegamos. O país deixou-se convencer com relativa facilidade de que temos professores a mais, de que o seu trabalho é fácil, de que o vínculo é um luxo e a contratação é uma disputa entre corporativismo e demografia. A manipulação serviu bem aos seus autores e foi assim que Portugal perdeu 30 mil professores entre 2010/2011-2014/2015. Em cinco anos desapareceram 20% dos docentes mesmo debaixo do nosso nariz.

Como é que isto foi possível? Além da não substituição de aposentações, dois terços deste buraco deveram-se ao despedimento de 56% dos contratados. As “gorduras” do Estado a que a direita e a troika declararam guerra eram, afinal, os precários da Escola Pública. Por ironia, mas sem surpresas, esses eram também os docentes mais jovens do sistema educativo.

É sobretudo a eles, mas não exclusivamente, que o sistema exige que façam vida de caixeiros viajantes. Quase metade dos professores contratados trabalha fora da NUTs III da sua residência, uma percentagem que vai diminuindo com a estabilidade do vínculo. É natural que assim seja, porque o vínculo é geralmente sinónimo de tempo de serviço, o que facilita a aproximação à residência. E porque nenhum precário se fixa a uma terra sem saber qual é a escola lhe calha na rifa no ano seguinte. O que um contratado sabe, e sente na pele, é que pode passar uma vida inteira na estrada a receber pelo primeiro escalão.

Essa é uma das dificuldades. É imperativo convencer a voltar à escola aqueles que o sistema expulsou. Mas para isso é necessário rever as normas de vinculação para que valha a pena sonhar com uma carreira na docência. Nenhum docente deve dar aulas mais do que três anos sem direito à estabilidade. Porque a tranquilidade na sua vida é também a estabilidade na sua escola.

Em vez disso, o Governo de Passos Coelho alterou as normas para os docentes contratados com horários incompletos, aqueles que agora fazem tanta falta para as substituições. Neste momento um horário letivo incompleto, mesmo que o professores passe o dia na escola e esteja deslocado, não vale o salário nem os descontos para a Segurança Social por inteiro.

Espera-se que um docente de Braga vá fazer uma substituição a Santiago do Cacém por pouco mais de 700 euros e com prejuízo para a sua carreira contributiva? O pior é que sim.

Quem conhece o sistema sabe que a falta de professores só se resolve com menos precariedade, mais estabilidade de vínculos, incentivos à mobilidade (é inaceitável que os docentes sejam os únicos funcionários públicos que não recebem um cêntimo a mais para se deslocarem em serviço), revisão dos quadros de zona pedagógica e das regras de mobilidade, respeito pela carreira, formação inicial e medidas para atrair novos professores.

Infelizmente é verdade que o atual Ministro da Educação, também conhecido nas escolas como “o desaparecido”, perdeu toda a margem política para negociar estas matérias quando trocou a carreira de trabalho dos professores pela carreira europeia de Mário Centeno. Mas isso não significa que essas medidas não sejam mais urgentes do que nunca. nem que não se exija um governo à altura.

Os professores e professoras sabem que não contam com quem prometeu “implodir a Escola Pública” nem com quem chegou a tentar fazê-lo. O que é lamentável é que agora tenham de preocupar-se também com os ventos que sopram da municipalização e o fantasma da Bolsa de Contratação de Escola. É absurdo achar que a falta de professores se resolve alimentando a precariedade, os clientelismos, a opacidade e as desigualdades de um sistema em que os professores tenham de vender os seus serviços porta a porta.

Não se enganem. Até pode haver quem queira comprá-los, mas os professores não estão em leilão.

Artigo publicado no jornal “I” a 12 de dezembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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